O Recuo dos EUA e a Nova Configuração Geopolítica
A 3 de Abril de 2025 fui convidado a intervir no programa “Contra-Corrente” da Rádio Observador. O tema era “Trump vive na ilusão de vencer a China?” Trump quer tornar a América “grande outra vez” mas parece ter-se esquecido da regra: não irritar a China. Com uma retaliação em cima da mesa, irá Xi Jinping permitir a “libertação” dos EUA?”. Este texto de opinião foi escrito a partir das notas que levava para o programa (cujo convite agradeço e onde participei na minha qualidade de autor de textos sobre Defesa e Cibersegurança no site do https://observador.pt):
O “Recuo de África” (movimento oposto ao “Scramble for Africa”, das potências europeias entre cerca de 1880 e 1914) de Trump não é mais, de facto, do que uma continuidade em relação à Administração Biden e à sua primeira presidência de 2017-2021. Este recuo, contudo, é agora acelerado com o congelamento de 72 mil milhões de dólares em ajuda externa. Este novo impulso do “Recuo de África” dos EUA prejudica os interesses norte-americanos e a estabilidade global, constituindo um recuo perigoso na presença dos EUA no globo. O recuo não é, contudo, exclusivo de África dado que a USAID, que era responsável por cerca de 40% da ajuda humanitária global, padeceu de um desmantelamento repentino, criando um vazio de poder que pode ser preenchido por países como China, Cuba, Irão e Rússia algo que, como veremos mais adiante, já aconteceu no Myanmar.
Em março de 2024 a junta militar no poder no Níger anunciou o fim do acordo de 2012 com os EUA, que permitia a presença de militares e civis do Departamento de Estado americano no país. Esta decisão foi tomada após uma delegação americana de alto nível visitar o país para discutir a transição política e a luta contra o terrorismo e de ter saído do país africano sem conseguir inverter a decisão.
Com mais de mil militares e uma base em Agadez, no centro do Níger, os EUA tinham uma parceria estratégica para vigiar o Sahel. Contudo, com a retirada da França no ano passado – em meio de manifestações populares – e agora dos EUA, o país passa por uma reconfiguração geopolítica. O Níger, juntamente com o Mali e o Burkina Faso, formou uma coligação para “combater o terrorismo” (“Aliança dos Estados do Sahel” com um efectivo teórico de 5 mil homens) e aproximou-se da Rússia e reforçando a influência de Putin no continente.
Moscovo tem fortalecido a sua presença no continente africano com a criação do “Corpo Africano” (Afrikanskiy korpus) em Agosto de 2024, que substituiu a presença do grupo mercenário Wagner em África. Segundo alguns especialistas, a disputa geopolítica entre EUA e Rússia pode ser benéfica para os países africanos, uma vez que aumenta as opções de parcerias estratégicas e económicas. Contudo, esta dinâmica também evidencia a fragilidade das lideranças locais, que muitas vezes são alvos de influências externas devido à corrupção.
Mas não é só a Rússia que está a “Correr para África”: Há mais de vinte anos que Pequim expande a influência no Continente. Desde 2000, Pequim investiu mais de 155 mil milhões de dólares no continente, construindo infraestruturas como estradas, caminhos de ferro e portos através do Fórum de Cooperação África-China (FOCAC). A China tornou-se o maior parceiro comercial de África e também o seu maior credor, detendo mais de 20% da dívida externa africana (algumas fontes falam até de 30%).
Nos últimos anos, Pequim tem mudado a sua estratégia, investindo em alta tecnologia, como redes de telecomunicações 4G e 5G, satélites, painéis solares e veículos elétricos, em detrimento de grandes projetos de infraestruturas respondendo assim a uma dificuldade crescente dos países africanos de pagarem as suas dívidas e às dificuldades financeiras em manter estas infraestreuturas.
Apesar do desenvolvimento e da nova presença de Pequim no mundo, a influência dos EUA no Médio Oriente continua a ser predominante e a sua influência no Médio Oriente é quase irrelevante e isto apesar de os EUA, ao quererem ser simultaneamente mediadores para a paz e fornecedores de armas a Israel estão numa posição contraditória e, consequentemente, de potencial fraqueza podendo assim abrir uma abertura estratégica para a China. Esta oportunidade aumentou com a aparente maior proximidade entre a Administração Trump e o governo israelita.
Enquanto que, depois dos ataques de 7 de Outubro, a Europa e os EUA rotularam rapidamente o Hamas de “organização terrorista” a China não fez o mesmo. Porque considera o movimento palestiniano um problema político interno da Palestina e um produto da complexidade das relações internas na Palestina. Esta posição encontra paralelismo no conceito de que Pequim considera Taiwan como um assunto interno.
Apesar disso, as relações da China com Israel têm melhorado: Israel assinou a “Iniciativa do Cinturão e Rota” entre a China e........
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