A Mulher, as mulheres e as outras
1.Sabe-se pela imprensa dos últimos tempos que a machosfera vai ser combatida mais duramente. Asseguram-no mulheres que têm acompanhado esse problema, mulheres que são especialistas em violência sexual, mulheres que têm atrás de si respaldo do Observatório de Masculinidades do CES de Coimbra, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e das Feministas em Movimento. Aquelas organizações não serão as únicas, mas referem-se de modo explícito para salientar que neste combate existem plataformas, observatórios e feministas.
A existência desta luta das mulheres contra a machosfera é a principal prova de que a machosfera existe. Aqueles que podiam supor disparatada qualquer coisa com esse nome, movendo-se nos territórios periféricos do pensamento e da internet onde erram com desolação incels envergonhados e movimentos da libertação dos homens, estão agora certos de que a machosfera existe e é uma grave conglomeração de criminosos. Começou a ser assim quando crimes de violência sexual e/ou online lhe foram atribuídos, também porque havia um filme que não tinha nada a ver com isso mas sobre o qual alguém extrapolou e voltou a extrapolar até que numa tremenda confusão se concluiu que agressores sexuais masculinos e desígnios cósmicos eram o dia a dia e, mais recentemente, porque uma espantosa obra de cinema, “Adolescência”, permitiu outra vez recriar o fantasma de milhões de adolescentes masculinos preparando o assassínio de milhões de mulheres.
A machosfera não é um fenómeno puramente virtual, embora seja impalpável. Também não habita sem tomar banho num terceiro andar de onde sai à noite para importunar mulheres trans, sem as violar, e troçar dos bonés das mulheres-polícia. A machosfera é a conceptualização de uma miríade de factos e atributos no sentido de os amalgamar, dar-lhes uma estrutura teleológica e permitir que sejam manuseados. Com outros conceitos aparentáveis faz parte de um edifício constantemente a ser acrescentado de que fazem parte o machismo, o patriarcado, a reclamação da gravidez como um caso do corpo feminino, o assédio, o lesbianismo como feminilidade purificada, a descriminação, a transfobia ou a violência obstétrica – uma salada heteróclita de queixas e causas que depois ainda têm de ser interseccionadas com racismo, colonialismo, capitalismo, Gaza, empoderamento e combustíveis fósseis, enfim, qualquer outra coisa que dê volume como a fécula de batata num molho fraquito demais. Isso pode acontecer porque a internet permite a circulação rápida e muito visível de informação, propala cismas e maluqueiras, é uma tasca sem horário de encerramento e por lá param todos os tipos de boa e má gente.
A existência de um enervado movimento de resistência a alguma coisa (por estes dias calha ser a machosfera…), é usualmente o sinal de que está em renovação o arsenal das causas e o revigoramento da chama da resistência – sempre a mesma resistência ao fascismo e à opressão que se escondem atrás do homem, ainda pior se for branco, insuportavelmente se se afirmar heterossexual, duplamente desprezível se o homem apreciar a beleza ou o mérito.
Nos últimos meses/anos, a falência de outras causas tem perturbado os activistas.
O movimento Metoo caiu no ridículo pela sucessão de denúncias fraudulentas, pelo esforço de Asia Argento em se esconder atrás de si própria, pela percepção de que por cada vítima inocente havia uma que apenas tinha falhado em convencer um homem de que a suas mamas tinham um enorme talento dramático, e porque algumas mulheres, grandes mulheres insuspeitas de pudores desonestos, apareceram a denunciar a palermice essencial do movimento.
A saga LGTB começa a ser saturante, em grande medida pela insistência em exteriorizações apalhaçadamente ridículas e por uma indigestibilidade crescente da sua fracção trans – coisas que afectam a maioria decente e silenciosa do movimento e indispõem as pessoas que não têm nada a ver com isso. A maior visibilidade que a fracção queer tem procurado, com a espantosa recuperação da proscrita noção de bicha, tem exigido aos LGs algum esforço dentro da comunidade LGBT.
A cultura de cancelamento nunca teve qualquer tipo de bom-senso mas ultrapassou-se a ela própria. Quando tocou o ridículo, depois de passar pelo abjecto, iniciou a perda de tolerância entre as pessoas decentes e da popularidade entre os seus prosélitos.
As reclamações post-coloniais, com as suas memórias complicadas e niquices identitárias, têm sido descredibilizadas pela evolução trágica dos países descolonizadas e pela ambiguidade das suas culturas – devedoras dos seus modelos tribais ou excessivamente desajeitadas quando adoptam modelos do primeiro........
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