Portugal com o Coração nas mãos
Quis o destino que escrevesse este artigo no Dia Internacional do 112. Comecei a escrever alarmado com as notícias que relatavam que mais de metade das chamadas para a linha 112 não correspondem a verdadeiras emergências…
Mas não, hoje não. Hoje conto-vos uma história.
Tudo começa numa manhã de um dia chuvoso de semana, típico, normal. Numa sala de aulas neste nosso Portugal, uma criança cai de forma súbita, inesperada. Depressa a professora pede ajuda. A criança não respirava. Estava em paragem cardiorrespiratória. Nesta história a escola está equipada com um desfibrilhador automático externo (vulgo DAE), e tem pessoas treinadas em suporte básico de vida. Ao ligar 112 para pedir ajuda diferenciada encontram uma linha disponível, com um operador que se manteve sempre em linha incentivando quem estava no local para fazer compressões torácicas e para usar, sem receio, o DAE. A criança é desfibrilhada ainda sem qualquer meio de emergência no local. As manobras de reanimação foram mantidas. Os segundos pareciam horas, mas quem lá estava concentrava-se em comprimir aquele tórax, forte e rápido. Os bombeiros chegaram, assumiram a reanimação, com manobras de suporte básico de vida de alta qualidade.
E eu?
Eu nesta história estava a caminho, enquanto tripulante de uma viatura médica do INEM, debatendo-me com o trânsito, com a chuva, com o piso que me fugia pela velocidade a que íamos. Eu e o médico que comigo ia, voávamos em silêncio, apenas ecoando nas nossas cabeças o som incessante das nossas sirenes.
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À chegada encontrámos uma sala vazia. Outrora repleta de crianças. Iniciámos manobras avançadas de reanimação e em 2 minutos o coração da criança voltava a bater. Era hora de nos dirigirmos para um hospital com valência de intensivos pediátricos. Pelo caminho, o coração da nossa criança vacilava, fraco, obrigando-nos a parar, uma, duas, três vezes. Mudança de estratégia e de destino. Íamos agora para um hospital com capacidade de ECMO. Pela janela víamos chegar batedores da Polícia de Segurança Pública que nos abriram caminho e escoltaram até ao nosso destino. Minutos depois uma equipa diferenciada e altamente treinada ligou a criança ao ECMO, uma máquina que substitui o coração e os pulmões, dando-nos aquilo que tanto precisávamos: tempo, tempo para aquela criança. Quando respiro e levanto a cabeça vejo o serviço de psicologia do INEM ao lado daquela família, estando presente por eles e por todos nós.
Esta história que hoje vos conto, poderia facilmente ser uma metáfora de um serviço de emergência de excelência. Algo contado num fórum, num congresso qualquer como um exemplo. Um exemplo de um sistema articulado, onde todos convergem para um bem comum.
Mas não.
Não foi ficção.
Foi uma........
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