Regresso a Ítaca no lago do Campo Grande
Seguro firmemente um ramo de salgueiro. Atiro-o para o lago do jardim do Campo Grande. De repente, baixo-me e mergulho a mão na água, perfurando o reflexo do meu rosto. Na palma da mão, de volta ao ar, um amentilho. Um amentilho de salgueiro húmido e macio. As sombras e os obstáculos impedem a visão para além da margem. Quem nunca pensou ver “algo” para lá do seu próprio rosto?
A Odisseia de Homero constitui a primeira grande meditação do Ocidente sobre o reconhecimento: fadigas, equívocos e tormentos acumulados ao longo de vinte anos (mas podiam ser trinta) deslizam subitamente do passado e oferecem por fim o seu sentido àquela palavra que constitui a base do canto.
Essa mesma palavra – nostalgia – poderia muito bem ser o epíteto de Ulisses: é ele o homem que padece da dor (ἄλγος – algos) do regresso (νόστος – nostos); o navegador cujo fragmento perdido de téssera é o lugar virginal e puro a que tudo prometeu união. O paraíso atrai e seduz. Desde antigamente.
A questão que se coloca ao rei quando por fim põe os pés em Ítaca é dupla: como reconhecerá o passado aquele que andou perdido e como poderá o novus reconhecer o vetus? Pois Homero diz com razão que Ulisses está duplamente irreconhecível quando regressa à sua ilha natal: por um lado, passaram-se vinte anos de batalhas e provações; por outro, Atena teve o cuidado de o tornar ainda mais irreconhecível, transformando-o num........
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