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Eco e a alça do amor

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27.07.2025

“Sonhar é talvez mais necessário, mais necessário ainda do que ver. Se um dia fosse obrigado a escolher entre sonhar e ver, escolheria sem dúvida sonhar. Creio que com a imaginação e o sonho se suporta melhor a cegueira. Sem sonhos, a vida seria tão difícil.» Esta frase é do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, um herdeiro de Rossellini. Os filmes de Kiarostami narram eventos absolutamente banais: um dia de aulas numa escola; uma menina que tem de ser atriz e que se recusa a repetir o que lhe dizem; um menino que procura a casa de um colega para lhe entregar o caderno de que se esqueceu na aula; um realizador que visita os lugares devastados por um terramoto para ver o que aconteceu aos participantes num filme anterior; uma alça que cai de um ombro. Momentos de pessoas comuns que Kiarostami narra com um estilo alheio a toda retórica, com longos planos-sequência que recordam a estética dos documentários.

Nem os actores são profissionais. Normalmente escolhe-os nos precisos lugares em que filma, pois tenta ser o mais fiel possível à realidade que deseja reflectir. A sua reivindicação dos sonhos não é, portanto, obra de um nefelibata, de alguém que antepõe o mundo da fantasia e do delírio ao mundo real, mas a de quem apenas aspira captar com a sua câmara a presença do mundo. Como se falar de presença fosse falar de pensamento, falar de alguém que olha.

O cinema, tal como a fotografia, é a arte do olhar. É imagem vivida, imagem no tempo. O cinema deixa-a fluir, a fotografia detém-na, mas ambas são artes do tempo. Talvez por isso não seja possível ver uma fotografia tirada a centenas de metros do chão sem sentir que faz parte de um continuum, que pertence a um devir do qual isolámos um........

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