Reformar o Estado é muito mais que “cortar”
Em tempos de promessas inflacionadas e diagnósticos ligeiros, a palavra “reforma” tornou-se um argumento em si mesma. Invocada por quem governa como símbolo diferenciador ou de determinação, tornou-se igualmente uma forma de retórica. Reformar o Estado é hoje, para muitos, o eufemismo que substitui aquilo que já não é politicamente vendável: a ideia de apenas emagrecer o Estado, de cortar na despesa social, de recentrar competências e de abrir portas à provisão privada.
O atual Governo, recém-saído das urnas, anunciou desde logo a ambição de reformar o Estado. No entanto, até agora, assim como nos últimos anos, o que se conhece são intenções vagas, encadeadas por um discurso de promessa fácil, sem um mapeamento claro dos problemas ou planos de médio prazo. O que se vai percebendo, porém, é o regresso da velha ideia de que é possível modernizar a esfera pública com menos recursos e sem reconfiguração estrutural. Ora, o Estado não é uma empresa. O seu propósito não é o lucro, mas o bem comum. Assim, o sucesso da sua conduta não se mede pela redução da despesa, mas pela ampliação da justiça social, da coesão territorial e da qualidade de vida.
Antes de qualquer proposta, impõe-se uma pergunta elementar: o que significa, afinal, reformar o Estado? É racionalizar as estruturas? É controlar os gastos públicos? É requalificar os serviços ou recentrar competências? É garantir igualdade no acesso ou facilitar a penetração de lógicas de mercado? Esta resposta, longe de ser técnica, é política e, muitas das vezes, cegamente ideológica. Reformar o Estado significa escolher onde fortalecer, onde adaptar e com que legitimidade democrática. A ausência ou omissão dessa escolha compromete qualquer reforma desde o primeiro momento.
O discurso reformista dominante vive de três ilusões: i) A primeira é a da........
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