O meu eu falso é melhor do que eu
Na semana que passou a minha irmã mais velha recebeu uma mensagem minha no WhatsApp. Aconteceu textualmente assim: “mana, guarda este número que estou a usar, o outro será para o trabalho beijinhos.” Ela respondeu: “Olá! Tudo bem convosco? Já guardei.” Ao que eu respondi: “Sim. Consegues fazer-me um favor?” E a minha irmã: “Depende do favor.” Ela é mesmo minha irmã. Que favor é que lhe pedi? “Preciso de fazer um pagamento hoje, mas estou sem acesso à aplicação neste, podes fazê-lo por mim? Amanhã dou-te de volta.” A minha irmã, sendo minha irmã, respondeu com dois emojis daqueles que choram de tanto rir.
Acontece que o Tiago que lhe enviou aquelas mensagens não foi o Tiago verdadeiro. Foi o Tiago falso. Pelo modo como a minha irmã respondeu, dá para ver que topou. Várias razões fizeram a minha irmã distinguir o Tiago falso do Tiago verdadeiro. A primeira, e não tem de ser a primeira por ordem qualitativa, é que, se é certo que a trato por “mana”, não a trato em mensagens escritas com uma liberdade linguística tão grande. Não uso vírgulas como pontos finais e tento usar vírgulas quando elas são necessárias. Não escreveria: “guarda este número que estou a usar, o outro será para o trabalho”. Separaria em duas frases. O mesmo se aplica a: “o outro será para o trabalho beijinhos.” Escreveria em outras duas frases, convenientemente separadas por um ponto final. E, claro, na seguinte tiraria uma vírgula e acrescentaria um ponto final: “Preciso de fazer um pagamento hoje, mas estou sem acesso à aplicação neste, podes fazê-lo por mim?” O Tiago falso é uma criatura de indomável liberdade com a língua. O Tiago verdadeiro não.
Mas a minha irmã mais velha também sabia que estava a falar com o Tiago falso porque, filho e irmão desnaturado que sou, raramente dou notícias. Tenho quase a........
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