O Cavaleiro do Apocalipse
No dia da investidura, Donald Trump revogou 78 ordens executivas do seu predecessor e assinou uma vintena de ordens novas. O anterior record pertencia a Biden com nove, seis a revogar ordens executivas de Trump e três de criação própria. As ordens executivas são uma forma expedita de legislar. Só podem ser revogadas por outra ordem executiva, pelo Congresso, ou por um tribunal. A prática foi comum durante a primeira metade do século XX. Entre as presidências de Theodore Roosevelt e Harry Truman, todos os presidentes assinaram mais de 100 por ano, com mais de 200 durante a Grande Depressão e mais de 300 durante a Segunda Guerra Mundial. Dependendo de quem o diga, Trump recupera para já uma forma de fazer política mais ditatorial ou mais ajustada à gravidade do momento.
Mais consensual entre admiradores e detractores é o reconhecimento de que a primeira eleição de Donald Trump foi também a primeira em que as redes sociais foram um factor decisivo (com um papel semelhante ao da televisão na eleição de Kennedy). Se dúvidas existissem, oito anos mais tarde, Trump regressou mais forte que nunca, as redes sociais vieram para ficar e os americanos não só vão conhecer em primeira mão através do X muitas das medidas promulgadas por Trump, como as irão ler na linguagem que Trump considere oportuna. Nessa linguagem salta à vista a falta de pudor com que Trump se expressa, em particular quando se refere ao seu predecessor. Por exemplo, na ordem executiva que anula a obrigatoriedade de utilizar palhinhas de papel, Trump chamou “ridícula” à lei que Biden promulgou para o efeito e, noutra mensagem, “terrível” discriminação aos cristãos perpetrada por várias agências governamentais ao abrigo das políticas do seu antecessor. O próprio nome de Biden é habitualmente acompanhado do adjetivo “retorcido” (em inglês crooked) nos tweets, perdão xis, do actual Presidente. Nos EUA não era inusual alguns candidatos usarem adjectivos como “ridículo”, “terrível” ou coisas piores para descrever as políticas ou as ideias dos seus adversários. Isso fazia parte do show. Mas, chegados à presidência do país, existiu sempre uma espécie de continuidade no regime que inibia um presidente de desclassificar as decisões do seu antecessor, mesmo quando as mandasse para o caixote do lixo e as substituísse por outras diametralmente opostas. Isso também acabou.
Muitos acreditam que isto só acontece porque Donald Trump é grosseiro. E grosseiro será, mas lembro-me de pensar o mesmo da primeira vez que ouvi o Bolsonaro falar (ainda que Lula também não seja exatamente um Demóstenes). E que dizer dos constantes insultos de Milei aos seus adversários? Não será que, por algum motivo, as pessoas agora preferem votar políticos grosseiros, um fenómeno a que a oposição bem-falante chama “um aumento do populismo”? Só que “populismo” na realidade significa simplesmente que o outro é mais popular, pelo que a questão que se deveriam estar a perguntar a si mesmos é o porquê de já não serem tão populares. E a resposta, no meu humilde entender, é que existe uma dissonância cada vez maior entre a linguagem empregue pelas elites para descrever a sociedade e a realidade que os votantes observam no seu dia-a-dia, algo que, por certo, também aconteceu........
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