Contributos para entender a crise actual
O Cristianismo construiu a civilização ocidental; todo o nosso legado espiritual, moral, transcendente; todo o nosso património intelectual, científico, jurídico, artístico, monumental, humanitário, educacional… foi construído tendo por base os valores do Cristianismo. Também os conceitos de pessoa e família, tradição e bem comum; as noções de poder e autoridade, amor e sabedoria, paixões e sentimentos; as nossas alegrias e tristezas, vícios e virtudes, os nossos segredos… todas as realidades humanas (e transcendentes) que fazem parte da nossa existência foram geradas no seio do Cristianismo. As sociedades não podem sobreviver sem uma religião, sem uma fé que as sustente; a religião constitui, assim, uma espécie de princípio vital, de “cimento”, uma base moral colectiva da qual se gera uma identidade própria, um sentimento de pertença, uma experiência compartilhada. Tal, quer dizer que todos devem participar nos cultos religiosos, e acreditar nas práticas e dogmas católicos? Não! Tal quer dizer que todos, crentes e não crentes, com sensibilidades e projectos de vida diferentes podem, ainda assim, reconhecer-se num conjunto básico de valores comuns; quer dizer que todos se podem reconhecer numa tradição cultural, moral, religiosa, comum, a qual, ao vertebrar a vida comunitária, dá-lhe coesão, equilíbrio e unidade.
Lamentavelmente, as sociedades contemporâneas são o exemplo puro e duro do estado de caos generalizado que se instala quando lhes falta o fundante estruturador de uma tradição religiosa. As civilizações foram fundadas pelas religiões e desapareceram quando estas desapareceram. Esta frase não é, para mal dos nossos pecados, uma opinião; é um facto histórico! Os poderes deste mundo parecem, contudo, ignorar esta realidade e, sob o pretexto de bandeiras como a igualdade, liberdade, diversidade, inclusão, autodeterminação, equidistância religiosa… retiraram-na das escolas, dos manuais, das instituições públicas, das artes, da media, do espaço público… e a prazo foi desaparecendo, até, do seio da própria vida familiar. O resultado está à vista. Diz-nos o milenar saber Evangélico que “apenas quem sabe de onde vem pode saber para onde vai”.
A família, com todos os seus defeitos e limitações é, ainda assim, a instituição natural que desde sempre, desde que o homem é homem, tem sido o pilar que dá coesão, consistência e estabilidade às comunidades humanas; a família constrói-se em torno de uma profunda rede de afetos, de valores e ideais comuns; ela une gerações e assegura a transmissão de um património moral, cultural e espiritual. Lamentavelmente, o veneno, frequentemente adocicado das ideologias modernas (Relativismo, Ideologia de Género, Hiper Individualismo…) eleva os princípios da autodeterminação e da liberdade individual, a autêntico valor supremo. E qual o impacto na Família? A família, injustamente acusada de espaço de opressão, de “patriarcado tóxico”, de autoritarismo e até de violência (como se os venenos que poluem a água do mar nos dessem legitimidade para concluir que o mar é, afinal, algo de mau) vai, com a cumplicidade dos governantes de turno… sendo submetida a um verdadeiro processo de atomização e decomposição crescente, com consequências verdadeiramente devastadoras: a mentalidade do divórcio perfeitamente assumida e normalizada (frequentemente, promovida); novas e criativas fórmulas combinatórias humanas, negadas à transmissão da vida; casamentos descartáveis, desfeitos em modo “express”, lares destruídos sob qualquer pretexto, crianças “fardo”, abandonadas, negligenciadas, instrumentalizadas pelos cônjuges e transformadas em autêntica carne de consultório psiquiátrico.
Claro que as pessoas que se veem envolvidas em processos, frequentemente dolorosos, de reconstrução familiar… devem ser acolhidas, respeitadas e apoiadas. Tal não quer dizer, contudo, que tudo seja admissível, aceitável; que tudo seja equivalente, igual, neutro; tal não quer dizer, contudo, que o espírito de compromisso e abnegação, que deve ser o sustentáculo vertebrador de qualquer relacionamento amoroso, passe a ser, frequentemente, mero “contrato” temporário ao sabor de interesses meramente circunstanciais. A família vai, assim, deixando de existir como tal e........
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