Vinho, viagens e o mar de Homero
Gostava de um dia saber explicar a origem da palavra «vinho» – que, inalterada, adorna as mesas de todas as línguas indo-europeias – mas tropeço sempre no espanto de o mar de Homero não ser verde, nem azul-celeste, nem índigo, nem azul-marinho, mas οἶνοψ πόντος (oînops póntos): “mar de olhos cor de vinho”, roxo. A arcana e estranha poeticidade de οἶνοψ πόντος inspira e deslumbra e intriga, e a sua difícil interpretação levou dezenas de literatos, historiadores, arqueólogos a tentarem desvendar o significado de tão misteriosa contaminação cromática. De facto, ao contrário de outras fórmulas repetidamente utilizadas pelo Cego de Quios, esta cor, que lembra a paixão, desorienta e inebria. Que queria Homero dizer quando escolheu cirurgicamente a combinação destas duas palavras, adjetivo e substantivo, οἶνοψ πόντος, para descrever o mar?
O Arquivo Secreto do Vaticano, ou, como é conhecido entre académicos, infinitus enim thesaurus, é na verdade uma imensa biblioteca de prateleiras silenciosas, que se expande, ramifica e contrai por quarenta quilómetros, entre maravilhas e trivialidades: manuscritos em pergaminho e papel, bulas, admoestações, encíclicas, listas de compras, escrituras e ficções intermináveis registam o fluxo e refluxo da história, as suas marés-cheias e marés-vazas, revoluções, crimes e excomunhões; crónicas de guerra e propostas de paz; disputas palacianas e casos amorosos.
O Arquivo Secreto começou a ganhar corpo nos dias da luta cristã contra a Roma Imperial e continua até hoje com os detalhes e nomeações de prelados chineses: da carta da Imperatriz Ming, escrita em 1655 numa folha de seda amarela, na qual solicita o envio de mais missionários jesuítas para auxiliar as conversões, à história do Papa Clemente relatando a sua viagem até à Crimeia, onde continuou a pregar até que os........
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