Pasolini e o baile da Cinderella
Quando Pasolini abandonou o realismo do seu período inicial para se dedicar a filmes como Medeia ou Decameron, Alberto Moravia questionava num artigo as razões que o teriam levado a fazê-lo. «A explicação mais simples», escrevia ele, «é que, em Pasolini, a mediação cultural é uma necessidade poética». A realidade, pensava Moravia, tinha perdido espessura na inspiração de Pasolini e ele sentia agora necessidade de regressar ao perene mundo da narração e do mito para penetrar o eterno mistério do coração humano.
Dei por mim a pensar que parábola realizaria ele num tempo como o nosso em que o adelgaçamento da realidade é um dado absolutamente inequívoco? A perda de relevância de tudo o que tem que ver com as humanidades é um dos sinais mais evidentes: é alarmante a marginalização que sofrem no arranjo curricular disciplinas como a Filosofia, as Línguas Clássicas ou a História e a indiferença que se devota àquelas outras – a Literatura, a Música, o Teatro ou a Dança – que noutros tempos receberam o delicadíssimo nome de Belas Artes. Os novos planos curriculares exigem que uma criança de quatro anos saiba ler, apostando num modelo obcecado com competências, utilidade e conformidade, e ignora obstinadamente a importância do cultivo da interioridade em tão tenra idade. Porque aquilo de que uma criança precisa aos quatro anos não é saber ler, mas ouvir música e histórias, conhecer o seu corpo e brincar com ele, encontrar palavras e figuras que a ajudem a compreender aquilo que sente e a encontrar o seu lugar entre os demais. A educação virou as costas ao complexo mundo da sua interioridade e sujeita-a à modelagem de um indivíduo adaptado, resignado, pragmático e obediente aos códigos do ambiente social.
Pouco antes de morrer, perguntaram a María Zambrano o que ela desejava ter sido na infância. Não precisou de muito tempo para responder: uma caixa de........
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