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Arrependimentos e lágrimas furtivas

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12.10.2025

“Homem de três letras” – era a perífrase que os romanos usavam para dizer ‘ladrão’. Em latim, ladrão diz-se fur. Os antigos romanos, tendo vivido nas profundezas das florestas lutando contra javalis; tendo recebido protecção de uma loba; sentindo que dominavam os seus destinos as silenciosas aves no alto do céu; sendo uma nação extremamente supersticiosa, não ousavam pronunciar esse nome no instante em que desejavam proteger-se das ações a que se referiam. Apenas os antigos Padres o pronunciavam, de forma proverbial, ritualmente, na época da monarquia, isto é, no tempo em que as sete colinas estavam cobertas de florestas assombradas por lobos, javalis e aves de rapina que sobre elas voavam: “O pensamento, a morte, a felicidade, o amor, o desejo, o sonho, o êxtase habitam connosco. Apenas o arrependimento surge no decurso do tempo. Como um ladrão à noite.” Sicut fur in nocte.

À hora mais vermelha do crepúsculo, Caius Vetulius, legionário da III Augusta que corria toda a África capturando animais para a arena do circo romano, suspirava sob um guarda-sol verde e refrescava a cabeça com a água que gotejava de um velho odre. Durante anos, fora o responsável pelo envio de leões da Mesopotâmia e da Líbia, hipopótamos de um qualquer porto egípcio, tigres da Hircânia, leopardos, elefantes da Índia e javalis da Germânia, que, juntamente com os ursos da Dalmácia, tinham viajado muitas milhas náuticas até chegarem a Óstia, a partir de onde, enjaulados, marchariam até Roma para morrer, cedo ou tarde, nas venationes ou caçadas cruéis.

Era um homem ainda jovem, coberto de cicatrizes nos braços e nas pernas, propenso a fadigas e angústias. Se tivesse sorte e os seus protectores concordassem em conceder-lhe um cargo menor nalguma administração, esperava mudar de vida em Roma, onde os seus poucos mas bons amigos suavizariam as suas tristezas com vinho e prazeres........

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