Memento mori
Como abordar um tema como a morte? Sem pôr em causa que se trata de um tema sério, se não o mais sério, sem dúvida o mais definitivo, que tom emprestar a essas linhas? Que timbre? Qual a cor adequada? Animado, informal (“tratar a morte por tu”), relaxado? Ou sério, pesado e taciturno? Mas, in the first place, para quê escolher um tema tão macabro? Porquê? Ou então, e do outro lado da moeda, porque escolher um tema tão comum? A morte tem, de facto, essa ambiguidade, é simultaneamente chocante e banal. E por que prisma abordar o assunto? Pelo lado dos vivos, pelo lado dos mortos? Claro que esta última aproximação seria uma espécie de empréstimo, ao mesmo tempo um traço de arrogância e um exercício especulativo. Um filósofo poderia dizer – uma deambulação metafísica. “Aquilo em cuja direção não posso lançar-me, pois nela eu não morro, estou desprovido do poder de morrer, nela morre-se, não se para e não se acaba de morrer” (Blanchot). Eles, os cadáveres, caem como dominós em filinha indiana, enquanto eu assisto, impotente, e quando for a minha vez, pois será um dia, nesse momento já não sou eu, mas um corpo sem alma, um corpo sem dono, que já não me pertence, pertence ao mundo dos mortos. Somente num sopro sobrenatural, numa ordem divina, qual episódio Lázaro, me poderá ser restituída a carne e ser devolvido à carne. “Lázaro, vem para fora”, segundo o evangelista João. Mais interessante ainda seria volver num corpo glorioso, daqueles de que fala São Paulo e a teologia reconhece, a Ressurreição da carne, mas não irei por aí. Após as várias considerações, reconheço que sem grandes considerandos, opto pelo mais fácil, optando pelo mais difícil – a morte presta-se ao paradoxo. Um caso particular, uma vivência imediata. Não um tratado filosófico, não uma aberração metafísica. Como a doença estranha que afetava São Paulo, é algo que transporto comigo e que me acompanhará........
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