Reforma do Estado: digitalização, simplificação e território
O atual Governo formou um Ministério da Reforma do Estado com foco em duas áreas principais – a Digitalização e a Simplificação Administrativa. O ministro Gonçalo Saraiva Matias, acompanhado por dois secretários de Estado (Bernardo Correia para a Digitalização e Paulo Magro da Luz para a Simplificação), assumiu a missão de declarar “guerra à burocracia” e combater a “cultura de quintal” entre os órgãos públicos. Esta abordagem inicial revela uma prioridade clara na modernização tecnológica dos serviços públicos, bem como na redução de procedimentos burocráticos. Embora medidas de transformação digital e simplificação sejam bem-vindas – e até inadiáveis –, importa reconhecer que a reforma do Estado não se deve esgotar nestas dimensões.
A digitalização dos serviços públicos e a simplificação de processos administrativos têm sido apresentadas como pilares centrais desta reforma. A modernização administrativa oferece serviços mais rápidos, transparentes e focados no cidadão, além de reduzir custos operacionais. O compromisso de eliminar barreiras burocráticas anunciado pelo primeiro-ministro reflete-se em iniciativas como a desmaterialização de formulários, a interoperabilidade, a inteligência artificial entre bases de dados do Estado e a implementação de plataformas inteligentes para requerimentos. Esses esforços podem melhorar a eficiência do Estado, a experiência do cidadão e a qualidade do serviço público, tornando mais simples obter documentos, licenças ou aceder a prestações sociais.
Esta tónica de reforma administrativa do Estado é bem conhecida dos portugueses: primeiro no governo de José Sócrates com o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC); depois, no governo de Pedro Passos Coelho, com o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE); e, finalmente, já com António Costa, através do programa SIMPLEX. As evidências mostram que todas elas circunscreveram-se a tentativas de simples modernização da administração pública, associadas a objetivos nunca concretizados de efetiva redução ou eliminação das “gorduras do Estado” (seja lá o que isso signifique).
Embora tenham contribuído para melhorar o dia a dia dos cidadãos no contacto com a Administração Pública, essas iniciativas nunca conseguiram alcançar os resultados sucessivamente apregoados – e com pompa e circunstância – pelos governantes que as promoveram: reduzir com eficácia, eficiência e racionalidade a despesa do Estado.
O Governo de António Costa associou, a partir de 2018, um novo dado à tentativa de modernização do Estado: a descentralização, por força da Lei n.º 50/2018, no sentido de atribuir às autarquias locais e aos órgãos supramunicipais – Comunidades Intermunicipais (CIM) e Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) – um conjunto de competências que lhes permitisse agilizar a intervenção do Estado junto das populações e, em paralelo, criar mecanismos sustentáveis de redução da despesa pública. Também aqui a inovação foi muito limitada, porque os interesses do poder central não se coadunam com transferências alargadas de competências para as autarquias. Em consequência, a descentralização, naquilo que teria de mais importante, acabou por se resumir à atribuição às autarquias e aos órgãos supramunicipais de um papel de mera gestão das infraestruturas em algumas das áreas mais sensíveis da governação (educação, ação social e saúde, proteção civil, estacionamento e controle de multas, etc).
Neste contexto, compreende-se que – numa lógica de contenção de riscos – se tenha optado por desenhar a reforma do Estado apenas em torno da digitalização de procedimentos, numa palavra, para “cortar papelada”. O recurso à tecnologia, por si só, não redefine as fronteiras nem as funções do Estado. Se os processos obsoletos forem simplesmente transpostos do papel para o computador sem colocar no centro as pessoas e o........
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