O antídoto para a cultura de cancelamento
A hipótese de a moralidade ter desempenhado um papel fundamental no processo evolutivo da humanidade é, provavelmente, verdadeira por ser capaz de explicar e prever tão corretamente o modo como nos comportamos e reagimos. De acordo com esta perspetiva, a moralidade deverá ser vista como uma vantagem adaptativa: as regras morais estreitam as relações entre os membros do grupo, gerando confiança e cooperação, o que aumenta as probabilidades de sobrevivência dos seus elementos. Um grupo que é capaz de cooperar adequadamente aumenta o seu sucesso, nomeadamente reprodutivo.
Torna-se, assim, fundamental que o cumprimento das regras morais seja fiscalizado e os infratores rapidamente punidos. É esse mecanismo que permite manter a coesão do grupo, em particular quando este se sente ameaçado por um inimigo externo, e nessas alturas é particularmente importante que não haja dissidências – e a punição deve ser rápida e forte o suficiente para dissuadir infrações futuras.
O dissidente vê-se colocado numa posição difícil: a nossa natureza tribal força o desejo pela permanência no grupo, mesmo quando achamos que fomos tratados injustamente, e por essa razão estamos dispostos a assumir a culpa e a fazer a autopunição, prometendo não reincidir. (E como não recordar o walk of shame de Cersei Lannister, tantas vezes repetido nos últimos tempos?)
Apenas os mais individualistas tendem a adotar um comportamento distinto: ao contrário de se submeterem à pressão do grupo, optam por autoexcluir-se. Esta reação, embora minoritária, verificou-se com alguma frequência nos últimos anos, não só em resultado da crescente pressão progressista em temas polémicos como a imigração (é o caso do jornalista britânico David Goodhart, que abandonou a sua tribo de esquerda), como também da pressão........
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