O gato ruivo
Quando entrei na sala ele estava quieto e calado. Anichado no colo da dona, o rabo pendendo bambo sem grande sinal de excitação. Só os olhos se fixavam atentos e as orelhas tinham ar de pressentir qualquer coisa .
Estava no veterinário para a vacina e, ao que parecia, sabia ao que ia e estava conforme[ado].
Um sinal da enfermeira e a dona pegou-lhe, solícita, apertado ao peito – era a vez dele.
E foi aí que começou o escarcéu: um espernear frenético, um miar cada vez mais forte e mais alto, meio rouco meio agudo, meio queixa meio recusa, o pelo loiro bravio a ouriçar-se e o rabo enrolando e desenrolando como marcando o ritmo duma griteira fulva sem freio nem concerto.
A dona rendia-se atabalhoadamente ao duplo dever do carinho e do cuidado, repetindo entre afagos mal recebidos: “Está tudo bem, querido, é só uma picadinha de nada…vai já, já, passar…”. Mas ele é que não estava disposto a passar por essa e miava desabaladamente, a cabeça rodando de um lado para o outro, os olhos acesos de fúria. Tudo em vão. De nada lhe valiam “o refinado dos gritos nem o assanhado de cólera”, como dizia o Pe. Manuel Bernardes na sua “Nova Floresta”.
Impávido, o veterinário segurou-lhe uma prega da pele do lombo e espetou-lhe a agulha da seringa doseada da vacina. E foi aí que, virando o focinho e fixando bem de frente o clínico, com os olhos acerados de raiva, gritou num protesto de dor: “AIííiiii!
Parecia gente naquele berro: uma faca, uma seta, um murro no estômago.
Bateu-me em cheio no peito e........
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