O «fascismo» do nosso descontentamento
1 Suponhamos que era um homem de esquerda, que não sou. Formado nos princípios do socialismo julgar-me-ia credor de uma eticidade inatacável e de uma superioridade moral inabalável.
Mas depressa depararia com uma grave dificuldade. É que hoje o discurso democrático, republicano, laico e social é comum a toda a gente. É como uma cantiga da rua que pertence a todos e não é de ninguém. Ficaria sem jeito ao constatar que toda a direita, mesmo a que a comunicação social diz ser mais extremista, é adepta daquilo que sempre considerei meu e só meu. Claro que há ou haverá metodologias e estratégias diferentes para chegar aos mesmos resultados mas o objectivo é comum. Não querem então lá ver que os partidos do centro-direita e mesmo os mais extremistas querem aumentar as pensões, elevar o salário mínimo, melhorar os serviços públicos e o ensino básico e criar condições para a vulgarização do ensino superior, proteger os necessitados, receber condignamente os imigrantes legais, onerar fiscalmente os mais ricos, facilitar o acesso à habitação e, em suma, tirar-me aquilo que sempre considerei meu património ideológico e moral? Mas que pouca vergonha é esta?
Ficaria indignado. Que fazer?
Mobilizar a força revolucionária do operariado está fora de questão. Num país em que a força de trabalho fabril só ascende a pouco mais do que três ou quatro por cento da população trabalhadora por conta de outrem, pois que a indústria é marginal e a maioria labora no comércio e nos serviços, a situação não é favorável. A composição das classes trabalhadoras modificou-se imenso a ponto de estar irreconhecível perante o que aprendi, e o próprio trabalho transformou-se: digitalizou-se, saiu da fábrica, não há patrões visíveis, e a sindicalização é uma sombra do que era. O próprio trabalhador é cada vez mais um pequeno empresário em nome individual, isolado na sua vida profissional e pessoal, e perdeu qualquer solidariedade de classe, primeiro passo para a sua consciência revolucionária, que já não há quem a veja.
Depois de muito pensar, só me restaria uma solução. Enveredar por uma batalha cultural feroz destinada a recuperar a hegemonia que estou a perder e que, verdadeiramente, já perdi. Iria então apostar na destruição da moral burguesa a começar pelas questões «fracturantes». A questão agora é de hegemonia cultural e não de mobilização da força proletária. Vamos em frente.
A estratégia tem de ser radical porque, bem vistas as coisas, a direita já avançou muito. A burguesia até já é completamente a favor da interrupção voluntária da gravidez, da inserção social dos indigentes e da liberalização dos costumes. Que desaforo. Hoje só faz rir aquela personagem queirosiana do Conde de Gouvarinho que, fiel às consequências da visão malthusiana da sociedade, defendia que se devia isolar o pobre e lamentava a ainda incipiente laicidade na escola que iria, «com mão ímpia, substituir a cruz pelo trapézio».
As dificuldades são terríveis. É que aquela moral burguesa está muito liberalizada num país em que há mais de oitenta por cento de divórcios, em que a grande maioria das crianças registadas nascem fora de um casamento, em que verdadeiramente os casais já pouco existem, em que a liberdade sexual é total e cultivada, em que já quase ninguém é religioso, em que a condição feminina tomou as rédeas do poder em que a capilaridade social é uma evidência e em que a burguesia se mostra muito à vontade nestas situações, não parecendo nada incomodada com elas, antes pelo contrário, porque aderiu convictamente às ideias da igualdade e da permissividade. Arriscar-me-ia a chegar atrasado. Por este lado não iria longe porque certamente poucos me ouviriam.
2 Convenhamos........





















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