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Da esplanada vazia ao telemóvel cheio: o paradoxo da solidão

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24.07.2025

Vivemos na era da hiperconexão, mas os cafés de bairro estão vazios. Temos mais seguidores do que conhecidos de vista, e as esplanadas enchem-se de pessoas a olhar para ecrãs, não umas para as outras. Em Portugal, país de tradição comunitária onde o convívio sempre foi um pilar da identidade nacional, a solidão tornou-se uma epidemia silenciosa que afeta milhares de portugueses. E o mais preocupante? Quase não se fala nisso.

Os números são reveladores e inquietantes. Segundo dados oficiais do Serviço Nacional de Saúde, um estudo com mais de 1200 pessoas entre os 50 e os 101 anos revelou que 20,4% das mulheres e 7,3% dos homens portugueses sofrem de solidão [1]. Mais alarmante ainda: o sentimento de solidão aumenta drasticamente com a idade, afetando 9,9% das pessoas entre os 50-64 anos e disparando para 26,8% nas pessoas com 85 anos ou mais. Entre as pessoas viúvas, a percentagem sobe para uns impressionantes 30,6%, contrastando com apenas 9,2% das pessoas casadas.

Estes dados colocam Portugal numa posição preocupante no contexto europeu, onde a Organização Mundial da Saúde estima que uma em cada seis pessoas no mundo sofre de solidão, contribuindo para cerca de 871 mil mortes por ano. A solidão e o isolamento social aumentam o risco de acidente vascular cerebral, doenças cardíacas, diabetes, declínio cognitivo e morte prematura, além de afetarem profundamente a saúde mental.

A Metamorfose de uma Sociedade Comunitária
Portugal sempre se distinguiu pela sua cultura de proximidade. As aldeias onde toda a gente se conhecia, os bairros urbanos com vida própria, as esplanadas como extensões naturais das casas, as festas populares que uniam gerações inteiras. Esta identidade comunitária, construída ao longo de séculos, está a ser rapidamente corroída por transformações sociais profundas que nem sempre soubemos antecipar ou gerir.

O sociólogo Edgar Morin, que dedicou décadas ao estudo da complexidade humana, oferece-nos uma lente através da qual podemos compreender esta transformação. Morin diria que Portugal, na sua ânsia legítima de modernizar e de acompanhar o ritmo europeu, importou modelos urbanos e sociais que fragmentam o humano. As cidades cresceram a favor do betão e do automóvel, não das praças e do convívio. Os centros comerciais substituíram os mercados municipais, os condomínios fechados tomaram o lugar dos bairros abertos, e as rotinas aceleradas eliminaram o tempo para o encontro casual, para a conversa sem pressa.

Esta transformação não aconteceu de um dia para o outro, mas os seus efeitos acumularam-se de forma exponencial. Os jovens emigram em busca de oportunidades que o país não consegue oferecer, deixando para trás não apenas famílias, mas redes sociais inteiras. Os idosos ficam isolados em aldeias que se despovoam a olhos vistos, onde os serviços básicos desaparecem e os transportes públicos são cada vez mais escassos. As famílias, cada vez mais reduzidas e dispersas geograficamente, já não conseguem funcionar como redes de apoio eficazes.

O trabalho precário, simbolizado pelos omnipresentes “recibos verdes” e pela economia das plataformas digitais, rouba tempo e energia para construir relações duradouras. Quando se trabalha por projetos, sem........

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