Quinze a zero, está claro?
Nos últimos anos, muito boa gente pensadora tentou perceber o significado e o possível impacto das esferas de influência – quais placas tectónicas – na geoestratégia global. Após o colapso da União Soviética, e apesar do monopólio do poder político e militar americano, a paisagem de vitória do liberalismo capitalista mostrava alguns sinais perturbadores: o poder nascente e indisfarçável da China em busca do seu lugar no mundo, o nervosismo da Rússia à procura do seu tempo perdido e a etérea leveza da Europa com o sonho da recuperação do seu papel de guia moral da humanidade. As pequenas e médias potências, essas, continuavam dispostas a conseguir por direito próprio um lugar na foto de família planetária. A América – que se mantinha como polícia de último recurso e como fonte de revoluções tecnológicas que nos prometiam uma nova dimensão existencial – deixava transparecer algum desnorte. Neste novo quadro começavam a despontar dúvidas sobre o futuro das democracias e sobre as possíveis alterações nas relações de soberania.
Apesar do muito que foi sendo escrito – e do intensivo recurso à História para chamar a atenção do que os homens são capazes de fazer e de estragar – os responsáveis políticos e as opiniões públicas europeias dos últimos vinte anos mostraram-se olimpicamente indiferentes aos sinais de alarme que por vezes vinham acima da linha de água. E foi assim que chegámos aos dias de hoje, com a confirmação de algumas das previsões: a China assume-se como pretendente natural à liderança global e a Rússia provou, uma vez mais, a natureza sanguinária que é a sua marca desde Ivan o Terrível. Quanto à Europa, fruto das divisões internas, não conseguiu afirmar-se como uma força de interposição política e económica entre as grandes potências. A grande surpresa, no entanto, acabou por acontecer, com grande estrondo, na América, onde o voto recoloca Trump no poder; apesar de desprovido das mais elementares características de urbanidade e de decência, de ser indiferente à sorte dos outros fora dos seus círculos de influência e de desconhecer ou desprezar o património jurídico que garante os direitos de cada um numa sociedade organizada, Trump seduziu e hipnotizou a maioria do eleitorado. Em resultado, a mais antiga e importante democracia do mundo moderno avança para o autoritarismo a golpes de teatro promovidos nas plataformas sociais e na televisão, reconhece apenas a lei do mais forte e aceita a corrupção como um modo adequado de........
© Observador
