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#AgapórnisEmCopaD

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17.09.2025

De início, quando comecei a atividade profissional via tudo pela lente do conhecimento, do saber e de uma ética ditada pelos princípios, os meus princípios. Estava então longe de compreender que os valores dos outros não eram forçosamente os meus. Como um qualquer recém-licenciado sentia-me “endeusado”, demasiado dono do meu umbigo. Não era verdadeiramente Médico. Para o ser teria, não de “julgar” as pessoas, mas de as compreender e aceitar por mais estranhas que as suas ações ou motivações parecessem. Teria de crescer, de aprender não medicina, mas a ser Médico, algo que não resulta só do estudo ou da aplicação do conhecimento. Só quando este acrescento ocorre e dita a bonomia com que ouvimos e compreendemos o outro, só então somos Médicos. Ser-se Médico é ajudar o outro, “o doente” e, para isso, não basta saber medicina, é preciso sair do pedestal da ciência e conhecer as pessoas e sua cultura – “quem só sabe de medicina, nem de medicina sabe” (José de Letamendi in Curso de Clínica General ó Canon Perpetuo de la Práctica Médica; volume II, Madrid, 1894 – pag. 20).

Por entre a rotina, tanta coisa igual, as pessoas são sempre diferentes, sempre com características singulares e uma luminosidade própria e encantadora. E quando se é Médico, quando se ouve sem preconceito, é inevitável que se acumulem histórias, algumas das quais justificam registo. É uma dessas que aqui trago hoje.

Era uma tarde de outono. Um fim de tarde meio chuvoso, embrulhado num frio húmido de incómodo maior que o registado no termómetro. E sim estava frio, mas um frio entranhado, alojado nos ossos, um frio que não era bem um frio, era mais um desaconchego que não dava tréguas a camisolas e casacos.

As tardes já estavam mais curtas, mas nem por isso a rotina permitia que o ritmo biológico se adaptasse ao inverno que se aproximava. O trabalho continuava e as exigências faziam-se sentir sem olhar a uma luminosidade que se encurtava a cada dia. As rotinas são assim, fazem-se demasiadas vezes sem sobressalto e em módulo automático, como se o universo tivesse de se adaptar. No “juízo final” todos fomos “métro, boulot, dodo”. Assim era essa tarde, fria desconfortável e preenchida por “rotinas” que se desempenhavam sem grande sobressalto. Estava em consulta desde as 16 horas e a D. Joana seria a sexta que nesse fim-de-tarde estava marcada.

Em regra, e creio que isto se passa na maior parte das consultas de ambulatório, os doentes procuram o médico por problemas menores, que, só são menores depois de saberem que o são, até lá são sempre problemas.

Assim era o caso da D. Joana. Tinha uma rinite alérgica bem controlada, que nos últimos meses se tinha agravado e se........

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