Israel/Palestina – a escolha do inferno
Quando se tem pela frente a escolha entre o inferno e o inferno, escolher é necessariamente escolher um inferno. Nessas situações de transe, a prudência manda esperar. Esperar pela oportunidade, em que se possa escolher a razão, a salvação e a paz.
Não quer dizer que nada se faça, enquanto se espera pelo momento certo para escolher. Há sempre muito a fazer, até para favorecer a chegada do momento azado e luminoso. Mas precipitar uma escolha pode impedir esse momento de surgir, arrastando e agravando o inferno que escolhemos – e, assim, manchando-nos também.
Esta reflexão tem a ver com a situação gravíssima que se vive no Médio Oriente, entre Israel e Palestina, e com as decisões anunciadas por estes dias. Há cerca de um mês escrevi o artigo Na encruzilhada do inferno, que recordo e retomo. Penso que o movimento de 10 Estados, liderado pela França, para realizarem o reconhecimento da Palestina neste dificílimo contexto não parece ter efetiva substância, não parece melhorar a situação em Gaza e na Cisjordânia e parece poder contribuir para o agravamento do quadro da guerra em curso. O reconhecimento seria bom se abrisse as portas do futuro, como é preciso. Mas não vai abri-las. Será preciso outro movimento político e diplomático para as abrir; e, se abertas as portas, o reconhecimento fará, só então, sentido – agora, não.
Também não ajuda à lucidez a insistente e acelerada demagogia em torno das acusações de genocídio a Israel. Há dias, foi amplamente divulgada a notícia de um “relatório das Nações Unidas” que abunda nessa acusação. O relatório de 72 páginas não é, porém, das Nações Unidas, mas de uma “comissão internacional” a que um organismo das Nações Unidas encomendou um relatório para lhe ser apresentado.
Sem entrar nos pormenores, bastou-me ler o notório – e chocante – enviesamento da comissão. Os três relatores em nenhum momento mencionam o ataque do Hamas de 7 de outubro de 2023, nem sequer para honesto enquadramento circunstancial. E, muito menos, apontam as suas atrocidades. Para a comissão, o 7 de outubro muda de “dono”: é todo ele escrito para dar a ideia (falsa) de que o 7 de outubro não foi o dia do ataque terrorista do Hamas, mas foi o dia em que Israel desencadeou o ataque a Gaza. É um relatório extraterrestre, uma desonestidade abominável.
Diz o parágrafo 21 do relatório: “On 7 October 2023, Israel launched its military offensive in Gaza, which included airstrikes and ground operations. The hostilities since then have seen tens of thousands of deaths.” (“Em 7 de outubro de 2023, Israel lançou a sua ofensiva militar em Gaza, que incluiu ataques aéreos e operações terrestres. Desde então, os confrontos causaram dezenas de milhares de mortes.”) E, no parágrafo 140, insiste: “The Commission notes that the military operations of the Israeli security forces and the siege began on 7 October 2023 and are continuing”. (“A Comissão observa que as operações militares das forças de segurança israelitas e o cerco começaram em 7 de outubro de 2023 e continuam até hoje.”) Uma falsificação descarada. Todos sabemos que as operações militares israelitas em Gaza só começaram dias depois – salvo erro, a 13 de outubro – e que, no dia 7, não houve mais do que resposta, tardia e escassa, por via aérea, aos múltiplos rockets que o Hamas também lançou, além da massiva invasão terrorista.
Tanto na Convenção de 1948, como no Estatuto do TPI de 1998, o crime de genocídio não corresponde apenas determinados atos. Exige que esses atos sejam cometidos com uma expressa intencionalidade: “praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso, enquanto tal.”
Seja no combate político em torno da guerra Israel/Gaza e na gritaria verbal, seja em acusações ou pseudo-acusações judiciárias, é fácil brandir o termo “genocídio” para carregar nas tintas. Mas parece bastante evidente que nenhum tribunal independente que tivesse de julgar condenaria Israel por genocídio, sobretudo se o fizesse depois de a guerra já ter acabado. Ou então, muitas guerras – senão todas – passariam a merecer........
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