Progresso incremental ou rutura?
Há muito a dizer em favor do progresso1 incremental, orgânico e sem grandes ruturas, seja nas pessoas, seja na sociedade2. Para começar, as mudanças graduais reduzem a resistência, o medo3 e a sobrecarga, facilitando a aceitação e a adoção de novas estruturas, regulamentos e comportamentos. Depois, sucesso em pequenos passos aumenta a confiança4 e a motivação5. Finalmente, a neurociência tem-nos fornecido abundante evidência de que a nossa plasticidade cerebral adapta-se melhor a pequenas e repetidas alterações do que a mudanças súbitas e extremas6.
Assim se compreendem os enormes progressos que a nossa sociedade e economia têm registado de forma contínua ao longo dos últimos 30 anos — especialmente quando comparados com o caos7 social e a estagnação económica durante a revolução cavaquista. Sem provocar ruturas bruscas, os sucessivos governos desde o dr. Guterres — com exceção dos de Passos Coelho — raramente deixaram passar uma semana sem lançar uma nova iniciativa, projeto, medida, plano estratégico ou incentivo. Passo a passo, mas com consistência, essas ações têm vindo a melhorar não apenas os serviços públicos — dos transportes à saúde — como também a produtividade e a competitividade da nossa economia (que não dependem apenas, nem principalmente, do setor privado!). Além disso, têm reforçado a equidade e a inclusão social: pode-se dizer, com alguma justiça, que em Portugal não existe uma casta política fechada e inacessível ao cidadão comum, dada a mobilidade8 constante entre a cidadania e a vida política no nosso país.
Assim, é natural e compreensível que o desenvolvimento ideológico — se assim o podemos chamar — do ps/d e dos seus governos ao longo dos últimos 20 anos, em direção a políticas progressivamente mais estatistas, reguladoras, distribucionistas e woke, também tenha ocorrido de forma gradual. Mesmo após o terramoto eleitoral de 18 de maio, tudo indica que devemos esperar apenas pequenas correções e mudanças incrementais — tanto na orientação estratégica da ala socrática do ps/d como nas políticas do governo liderado pela ala montenegrina do partido. Apesar de um pequeno número de extremistas clamar por reformas mais radicais, a sabedoria dessa moderação por parte dos nossos responsáveis políticos, e a sua aversão a reformas bruscas e radicais, poderá ser melhor apreciada à luz de uma estória tradicional recentemente importada do país do sol nascente:
“Era uma vez, nos domínios de Matsudaira Yoristune [松平頼常, 1652—1704], na província de Sanuki, um jovem de estirpe ilustre e educação literária primorosa, cujo maior deleite, senão única vocação, era a contemplação líquida de uma tigela de saké. Dono de maneiras gentis e de uma aparência que não desmereceria os salões da capital, tinha contudo sua alma escravizada ao cálice tirano, a ponto de se ter tornado — não sem certa glória trágica — num devoto da embriaguez.
“Era, pois, um ébrio. Um bêbado de profissão e de convicção — como quem escolhe a embriaguez não por fraqueza, mas por ideologia. Um beberrão entusiasmado,........
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