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J.D. Vance e a concubina de Kiyomori

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03.03.2025

O discurso1 de J.D Vance, em Munique, sobre as ameaças2 internas3 à democracia4 na Europa, mais preocupantes que as externas5, já foi muito, eloquente6 e sabiamente comentado7, e essas numerosas elucubrações também foram sagaz e multiplamente recomentadas. Então não haverá mais nenhuma interpretação a fazer ao acontecimento? Provavelmente não, a não ser que um episódio registrado numa crónica antiga sobre a vida de Taira no Kiyomori 平清盛 (1118-1181) nos sirva como que de koan8 para uma meditação zazen9 que nos ilumine sobre a posição em que os políticos europeus ficaram depois da homilia do vice-presidente americano.

Reza a dita crónica que Kiyomori «o grande chefe Taira, tinha no seu palácio de Rokuhara, uma concubina por quem se tinha apaixonado loucamente e com quem, enquanto a sua febre durou, costumava passar metade dos dias, bem como quase todas as noites. Esta nascera na miséria e tendo sido vendida na infância a uma casa de baixa diversão, envolvera-se aí com um jovem, de espírito desregrado, mas de boa família, que a comprou. Quando ela o chupou de tudo o que possuía, e espoliou vários outros, quis o acaso a colocar no caminho do grande chefe, de quem acabou por se tornar serva.

Ao seu espírito astuto, a fortuna acrescentara, no entanto, orgulho e arrogância. Embora prestasse bajulação aos altos e poderosos do séquito de Kiyomori, para os baixos e humildes era autoritária e desdenhosa, desrespeitando-os e regozijando-se com as humilhações pelas quais os fazia passar. Havia no claustro do capelão de Kiyomori, que era o clérigo mais famoso do seu tempo, um jovem bonzo de vida piedosa e íntegra. Não tinha língua para a lisonja nem olhos para a concubina favorita, para as suas belas vestes, ricos ornamentos e rendadas lisonjas, que lhe interessava tanto como uma manjedoira a um canídeo. Ela retribuía-lhe o desinteresse com gracejos, troças e escárnio, a que ele não dava a mínima atenção, de tal modo que a simples visão do jovem clérigo lhe começou a despertar uma fúria, que era cada vez maior e mais terrível.

Ora, o capelão........

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