O balandrau
A Constituição tem isto de bom: tantas liberdades, direitos, garantias e salvaguardas que o cidadão curioso, ou o constitucionalista encartado, lá encontram princípios e normas para defender quase tudo, o seu contrário e ainda um par de botas.
Claro que ninguém discute o direito à liberdade, excepto se o cidadão estiver em prisão preventiva muito para lá do prazo limite, caso em que o MP, ou o tribunal, dirão: estamos assoberbados e portanto com falta de vagar; o direito à vida vírgula, que uns dizem que ela começa com o nascimento, outros com a concepção e outros ainda em algum momento no intervalo; do direito à propriedade nem é bom falar, que 732 entidades públicas o comprimem ou anulam em nome de um interesse maior, que é o que “serviços” públicos, ou, no melhor dos casos, entidades políticas, assim definem; o direito à liberdade de expressão ahahah, qualquer um é livre de dizer o que quiser, salvo se algum grupo se sentir ofendido, caso em que do que estamos a falar é de crimes já existentes ou a caminho – racismo, misoginia, incitamento ao ódio e o mais de que se lembre o povo de esquerda; o direito à associação é pacífico: basta redigir os estatutos, celebrar a escritura e pagá-la se os fundadores dispuserem de fundos ali à mão; e o direito à participação na vida política apenas requer espinha dorsal um pouco flexível, capacidade para aturar discursos chatos e doses consideráveis de treta.
Não é pacífica, a Constituição, nem é possível que seja, por isso é que temos um Tribunal Constitucional. Do qual ninguém imagina que seja uma entidade etérea acima das paixões partidárias, antes tributária das inclinações políticas dos seus membros sempre que os assuntos tenham carregadas implicações ideológicas. (Um parêntesis aqui para esclarecer que se em vez de ao TC os assuntos desta natureza fossem levados ao STJ o resultado viria tingido da mesma carga ideológica mas opaca por não se saber para que........
© Observador
