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A inveja é o vício de Portugal

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05.09.2025

O Padre António Vieira não só nos legou uma obra literária de dimensão e qualidade ímpares, que fez Fernando Pessoa exclamar que é merecedor do título de “Imperador da Língua Portuguesa, como as suas argutas análises de aspetos característicos da mentalidade do seu tempo fazem dele o que poderíamos classificar também um “exímio psicólogo os portugueses”.

Alguns dos seus diagnósticos podemos encontrar no par de sermões dedicados a Santo António, pregados nos anos em que viveu em Roma na primeira metade dos anos 70 do século XVII. Se, no primeiro sermão em Roma, Vieira se dedicou a engrandecer Portugal e os Portugueses como muito especiais na paleta das nações do mundo, no segundo sermão constitui-se como o seu psicólogo e o perquiridor dos seus defeitos e perversidades: “Assim como há dias claros, e escuros, assim o será o dia de hoje em comparação do passado. Hoje faz um ano (…) preguei aos Portugueses as luzes da sua Nação; agora lhes descobrirei a eles, e a todos as sombras dessas mesmas luzes: para que se veja no que disse, e no que direi, que não foi lisonja, ou afetação o louvor, pois eu mesmo, e aos mesmos não calo, nem dissimulo o que neles se não deve louvar.” (VIEIRA, II, X, 250)

Sermão de Santo António aos Peixes, numa colecção dos Sermoens de António Vieira, 1682

Neste segundo Sermão de Santo António, que foi escrito para ser pregado em Roma no ano seguinte (mas foi impossibilitado de proferi-lo no dia litúrgico do santo por razões de saúde), Vieira faz um diagnóstico das “sombras” dos portugueses. Começa assim Vieira de forma incisiva, apontando uma dificuldade inusitada em terra designada como país de luz: “luzir Português entre Portugueses, e muito menos luzir com a sua luz, é coisa muito dificultosa na nossa terra. Com a luz alheia vi eu lá luzir alguns; mas com a própria Lux vestra, nem Santo António, quanto mais os outros.” (VIEIRA, II, X, 251)

Este paradoxo apontado por Vieira na pátria da luz do mundo é explicado pela tendência dominante entre os Portugueses para a crítica negativa e destrutiva “Não debalde domina sobre Portugal o Sagitário; porque este é o signo, em que lá nascem todos os que são apontados com o dedo, para que contra eles se apontem as setas. Escusadamente vai logo provocar as dos arcos Turquescos a África quem as tinha tão aparelhadas na Pátria, e tão certas na sua própria grandeza.” (VIEIRA, II, X, 251) O afiado cinzel crítico dos portugueses contra os que apresentam ideias para bem do país e projetos que favoreçam o seu engrandecimento é devido a sua atávica........

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