Uma Severa Lisboa
Maria Severa Onofriana, “a primeira fadista da história”, está para o conto, como para o acrescentado ponto. A busca pela verdade histórica da Severa, aqui, nada importa. A Severa vive da sua mitificação. Vive dos relatos de Bulhão Pato, de Luís Augusto Palmeirim e Miguel Queriol. Vive pela imortalização do êxito teatral do Dantas, inspiração da opereta de André Brun e do filme escrito à luz das invenções do Dantas. A Severa é um amuleto da história lisboeta – uma personagem biograficamente mitificada.
Do que se sabe e importa, a Severa nasceu à Rua da Madragoa, na taberna da sua mãe, mulher que delicadamente foi alcunhada de “A Barbuda”. A Severa é filha desta meretriz que muito fez para que Maria Onofriana crescesse a seguir o seu ufano exemplo de vida: como Alberto Pimentel veio dizer “seria ela [a Barbuda] que a lançaria para a prostituição”.
Uma vida recheada de “amores” – na tentativa de eufemismo –, de copos de vinho – que entre tinto ou branco, a escolha era cheio –, abandonada ao destino fático da marginalização, que tanto cantou. Contudo, foi a beleza do canto (e) da Severa que a reverberou além Mouraria. A Severa chega ao nosso cancioneiro histórico como uma mulher cuja pulcritude competia com a doçura da sua voz à guitarra.
A história – pertence aos que vencem – esqueceu-se da amargura da Severa. A tal inevitável amargura que surge quando sobre ela nos debruçamos. Esta pobre mulher glorificada no desamor da sua bagaxa vida de 26 anos, em lençóis partilhados com o fruto do ofício, com o Conde de Vimioso e um presidiário escalabitano.
Este texto em nada é político, em nada é uma investigação histórica à mitologia da Severa. Apenas, um apelo à nossa........
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