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Os meus sentimentos na iminência do Conclave

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07.05.2025

O Papa Francisco morreu na madrugada da segunda-feira da oitava da Páscoa, menos de 24 horas depois de, pela derradeira vez, nos agraciar com a sua bênção Urbi et Orbi, à Cidade e ao Mundo. Ainda convalescente de uma gravíssima situação bronco-pulmonar que o ia levando deste mundo, foi a última vez que pudemos ouvi-lo de viva voz a augurar-nos uma boa Páscoa. Após alguns dias de velório público dos seus restos mortais, venerados por dezenas ou centenas de milhar de pessoas de todo o globo, e das solenes exéquias perante o poder do mundo, foi sepultado no sábado, véspera do Domingo da Pascoela. O seu pontificado durou precisamente 12 anos, 1 mês e 9 dias, bastante mais do que os poucos anos que o próprio estimou ao início.

Assim que acordei, pelo cedo, na referida segunda-feira, e depois de ligado o telemóvel que noticiava a súbita morte do Papa, fui tomado imediatamente por um sentimento de sincera comoção que instantaneamente e ainda estremunhado me levou a rezar uma breve oração pela sua alma. Dentro do costume português e enquanto católico associo-me assim na apresentação dos “meus sentimentos”: que Deus o tenha na Sua misericórdia, aliás tão pregada por ele próprio; o mantenha na Sua paz e finalmente no esplendor da Sua Luz perpétua! Mas quero confessar que ao mesmo tempo a comoção também carregou à boleia como que um sentimento de alívio (passe a expressão) do embaraçante desconforto intelectual e também psicológico que este pontificado foi provocando em mim à medida que se desenrolavam os anos.

Já muito se tem dito e comentado sobre o pontificado do Papa Bergoglio. A larga maioria dos testemunhos, orais ou escritos, são naturalmente laudatórios de tudo quanto constituiu uma genuína manifestação do “doce Cristo na Terra”, para usar a conhecida expressão de Santa Catarina de Siena. De facto, já muito se disse e escreveu publicamente sobre a pessoa e o pontificado de Francisco, reflectindo perspectivas contraditórias, mais ou menos apaixonadas ou objectivas, laudatórias ou críticas, de diversas pessoas que se identificam ora como católicas ora agnósticas ou até mesmo ateias, seja com autoridade ou sem ela. Realmente, é impossível negar que, com a morte de Francisco, findou um dos pontificados dos últimos séculos da história da Igreja que certamente ficará entre os que mais controvérsia gerou.

Como se pode constatar por algumas crónicas minhas publicadas há mais de dois anos aqui no Observador, a minha formação doutrinária e convicção católica confirmou-se e ficou a dever muitíssimo aos 35 anos do magistério de João Paulo II (Papa 27 anos) e Bento XVI (Papa 8 anos). Para quem, como eu, foi acompanhando com atenção e o devido respeito e de modo intelectualmente sério o pontificado de Francisco, também verificará que suscitou em muitos sectores uma grande perplexidade. Não faltam livros, artigos, ensaios e declarações públicas de clérigos ou leigos de vários quadrantes e sensibilidades teológicas que demonstram o quanto Francisco foi disruptivo relativamente aos seus dois predecessores. Não é difícil fazer já um elenco de factos que manifestamente contrastam com a forma mentis pastoral de João Paulo II e Bento XVI; palavras, gestos e decisões essas de Francisco e/ou dos seus colaboradores de confiança que deram substância à famosa e incontestável “mudança de paradigma” eclesial. Uma vez respeitado e feito o luto pelo tempo, e a reserva dos arquivos levantada, a História falará um dia por sua vez.

O meu desconforto (e de tantos outros, leigos ou clérigos), no fundo resumia-se a isto: como manter-me fiel e em plena comunhão com o Papa cujo nome ouvia em cada Missa e ao mesmo tempo, em consciência que sempre procurei ser rectamente........

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