Camilo, nos 200 anos de um escritor genial
No Domingo passado, 16 de Março, completaram-se dois séculos sobre o nascimento em Lisboa, na Rua da Rosa, de um dos melhores escritores portugueses, Camilo Castelo Branco – ou Camilo, tout court.
É um conhecimento de infância. Tive um tio camilianista fanático, bibliófilo e bibliómano, pesquisador por alfarrabistas de primeiras edições do romancista. Não tinha filhos e eu passava muitos fins-de-semana em casa dele, em Vila do Conde. Era ali que ele juntava outros da mesma tribo, também devotos do escritor, para falarem interminavelmente de edições antigas, primeiras ou segundas, e das histórias dessas edições, do seu tempo de escrita e publicação, das anedotas à volta de raridades e falsas raridades.
Porque Camilo foi um fenómeno de produção e de qualidade na produção. Mais de duzentos títulos – romances, novelas, História, teatro, polémicas, até poesia. Coisas que eu, miúdo, com nove ou dez anos, à mesa dos mais velhos, ia ouvindo, juntamente com as histórias da sorte e do azar de romances como A Infanta Capelista – sobre uma Maria José, bastarda de El-Rei D. Miguel –, que Camilo teria mandado destruir antes da edição em livro, constava que a pedido do imperador D. Pedro II do Brasil, e que teria ido parar à Salsicharia Francesa, para embrulhar artigos de mercearia. Um cliente, um tal António Rebelo, teria dado pelo achado e adquirido as “folhas de embrulho” que restavam, salvando alguns, poucos, exemplares, dos quais mais tarde se publicariam duas edições fac-simile, fazendo da Infanta Capelista uma preciosa raridade camiliana.
(Há anos, a propósito de um livro de futurologia política sobre uma Administração americana que não veio a acontecer, lembrei-me deste episódio camiliano e dos presumíveis destinos, mais ou menos úteis, mais ou menos nobres, das obras malogradas.)
Mais tarde, Camilo reescreveu e reeditou o tema da infanta capelista em O carrasco de Victor Hugo José Alves, tornando-o menos ofensivo para a família real de Portugal e do Brasil.
Os grandes poetas, como Camões e Pessoa, são quase sempre os grandes conhecedores da pátria, da nação, do colectivo histórico, da comunidade política, da herança e identidade de um povo entre os povos; conhecem-na, (re)constroem-na e exprimem-na nos seus altos e baixos, no seu modo peculiar de absorver e exprimir o universal. Já os grandes escritores apanham mais as pessoas. E os grandes escritores do seculo XIX que retrataram os portugueses, o seu modo de ser, a sua identidade ou as suas identidades, são incontornavelmente Camilo e Eça de........
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