Roubar a beleza
A presença da mulher na festa, depois de tudo o que anfitriã me dissera sobre ela, contando-me sobre o seu mau carácter e como lhe tinha roubado dinheiro, matéria até de tribunais, quase questão criminal, a presença da mulher entre mais de cem convivas, recebida com grande amizade e um forte abraço, deixou-me a um canto, a pensar se a anfitriã também teria dito de mim, em telefonemas a outros, isto e aquilo, nem sei o quê, se não teria, acerca de vários dos seus convidados tido telefonemas picantes e razões de ofensa maior, e apenas me convidava para a sua festa, convidava a amiga traidora, convidava a todos nós, porque queria receber muita gente e sentir-se amada no dia dos seus cinquenta anos, ainda que por quem não amava, talvez entre inimigos, ou amigos falsos, talvez fosse apenas uma mulher só.
O seu caso intrigava-me há muito. Conhecera-a na biblioteca, havia vinte e muitos anos, era ela uma rapariga deslumbrante e namorada de um rapaz cobiçado.
Dos meus vinte anos, fazia com eles o que sempre fizera e viria a fazer vida fora, escolhendo observá-los longamente, a uma distância, quando estavam em público, sentada na esplanada. Sem se saberem vistos, acompanhava os seus gestos mais anódinos, o modo como se sentavam entre amigos, a forma como descansavam ao colo um do outro, o gesto que faziam a ajeitar o cabelo ou a pôr a mochila às costas, os beijos e abraços apaixonados. Eram a imagem da beleza.
Justiça seja feita, talvez houvesse uma........
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