Evanilda de Sousa
Viajei para Lisboa faz vinte anos por causa do meu rim. Acabei ficando até hoje, tratamentos acabaram já nem sei quando. Primeiro vivemos em Entrecampos, na residencial. Depois o dinheiro da junta médica acabou, tivemos de erguer nossa casa aqui mesmo nesse morro.
Casa? Casa é onde uma mulher perde a beleza, é o que eu penso. Tudo o que eu queria era que eu e os meus companheiros fôssemos tratados como gente.
Me lembro do meu rosto nesses anos. Minha cara mesmo com doença era cara de mulher bonita. Vida nunca foi fácil, mas conseguia ver nessa altura os meus traços de mulher.
Vida no morro roubou minhas feições. Aí mesmo dormem três crianças ao meu lado, meus sobrinhos, mais novo nasceu mesmo já aqui no morro.
Chove em cima dos meninos, chove em cima de mãe dos meninos, chove em cima de tia dos meninos, Deus não quer saber.
De Inverno, ficamos a ouvir o barulho do vento no zinco, ouvem-se ruídos vindos da rua, ficamos com medo, agarramo-nos uns aos outros nesse colchão bem apertados.
Estou farta dessa história de tristeza, de virem aqui para ouvir história dos pobres para depois irem contar........
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