Crime, Ricardo Leão e “realismo de esquerda”
Um estudo recente da SEDES revela que, entre 2000 e 2024, em Portugal, embora a criminalidade registada tenha caído 1,3%, a referência a crimes cresceu 130% nas capas dos principais jornais. Esta instituição é prudente quando assevera que os sentimentos de insegurança são “tão ou mais importantes que as estatísticas”. Julgo, quanto àquele dado da incidência de crime, que convém notar que ele não impede que nos últimos anos tenha havido um aumento de determinadas categorias de crimes, incluindo violentos e graves. Devemos, ainda, ter em mente um aspeto que Anthony Giddens (2008, p. 219) indica: o sociólogo inglês salienta a pouca fidedignidade das estatísticas do crime, realçada por vários criminólogos. E, relativamente à não inserção de todos os crimes nas estatísticas, vai ao encontro do também investigador em sociologia Howard Becker, norte-americano, o qual, no prefácio de Outsiders (2009), dá conta de que, por exemplo, alguns pequenos roubos nunca chegam a ser comunicados à polícia. Giddens atenta também na possibilidade de a polícia não incluir certos crimes por estar cética sobre a validade de dadas informações.
Não obstante a esquerda tender a menorizar o fenómeno criminal, a sociologia, tão conotada com esse lado do espetro ideológico — dado o pendor dos que se arrogam a exclusividade daquela área do saber —, parece, afinal, não ser conivente com a linha política esquerdista que releva a alegada insignificância da conduta desviante. Sejamos francos: há sociologias para todos os gostos. E Giddens, que é um dos mais consagrados contemporâneos deste campo do conhecimento, pode ser rebatido, com ou sem rigor, por uma qualquer meia dúzia de formulações elaboradas por alguém que façam escola. Ademais, este autor, que até esteve ligado ao Partido Trabalhista britânico, sendo assessor do ex-primeiro-ministro Tony Blair, será quiçá um malfeitor para os oficiais de esquerda, pois, na perspetiva destes, o intelectual, ao criar a “terceira via”, usurpou os mais belos princípios socialistas. Mas isso são contas de outros rosários.
A propósito dos números lançados pela mencionada organização, surgiu-me a recordação de um episódio badalado: a polémica do outono passado do socialista Ricardo Leão, proclamando-se, na reunião municipal de 30 de outubro de 2024, defensor do despejo das habitações sociais de intervenientes em desacatos, no âmbito da qual muito foi dito por muitos, de fora e de dentro do seu partido, dos menos conhecidos aos mais altos nomes. Não proponho chover no molhado no que tange à apreciação do maior ou menor grau de justiça ou de humanismo da recomendação do Chega aprovada pela autarquia de Loures, assim como no que diz respeito ao nível de sobriedade ou leviandade das afirmações que o presidente da Câmara proferiu aquando da votação. Viso contribuir para um retrato da esquerda no modo como trata a matéria do crime.
Este assunto de Leão foi polarizador. Em reação às reações de repúdio, o edil lourense retratou-se, qualificando o dito momento como “menos feliz”, num artigo no Público, em 14 de novembro. Contudo, nesse texto, não deixou de declarar que não ignora o “elefante na sala”, no sentido em que “ser de esquerda não pode significar enfiar a cabeça na areia quando se trata de temas mais sensíveis de gerir”. Ignorar o tópico é, no seu entender, “entregar questões........
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