O Roubo aos Reis de Portugal
A memória de um povo escreve-se tanto nos livros como nos símbolos vivos que transportam consigo a herança dos séculos. Portugal, país de raízes profundas e de um passado glorioso, não pode ser entendido sem referência à Casa de Bragança. Esta dinastia, que em 1640 devolveu a independência à pátria, personifica a restauração da soberania e a afirmação da identidade nacional. A proclamação da República em 1910 quis derrubar o trono, mas não conseguiu apagar a legitimidade moral e simbólica dos herdeiros de D. João IV. Ainda hoje, o chefe da Casa de Bragança encarna, no silêncio e na discrição que as circunstâncias impuseram, uma continuidade que o Estado republicano jamais conseguiu extinguir.
Foi, no entanto, durante o Estado Novo de Salazar, que se consumou um dos episódios mais ignóbeis da nossa história contemporânea: a expropriação, sem compensação, do morgadio e de um palácio pertencentes ao Duque de Bragança. Não se tratou de uma mera operação administrativa; foi antes um roubo legitimado por decretos, uma tentativa calculada de amputar a família real da sua base material e da sua visibilidade social. O morgadio, instituição secular do direito português, existia precisamente para preservar, indiviso e inalienável, o legado de uma casa senhorial ao longo das gerações. Nos Bragança, esse património não era apenas um conjunto de bens imóveis: era a própria materialização da história de Portugal, uma ponte entre passado e presente, um sinal visível da identidade nacional.
Salazar, que gostava de se apresentar como guardião da tradição, revelou neste episódio o medo visceral de qualquer sombra que pudesse rivalizar com a sua autoridade. A República, desde 1910, sempre viveu atormentada pela hipótese........
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