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Geoeconomia norte-americana

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04.08.2025

1 A grande novidade do programa económico deste segundo mandato de Donald Trump reside na “weaponization” — que poderíamos traduzir pelo neologismo “belicização” — das tarifas alfandegárias enquanto instrumento privilegiado de política externa. No seu primeiro mandato (2017–2021), os principais objetivos das tarifas inseriam-se predominantemente no plano económico (embora já houvesse um vislumbre de pressão política), visando a redução do desemprego, o aumento do investimento e a reindustrialização dos EUA, através da repatriação das fábricas e manufaturas norte-americanas anteriormente deslocalizadas, sobretudo, para a China.

Hoje, a aplicação de tarifas transcende claramente o domínio económico, sendo orientada sobretudo para a prossecução de objetivos políticos. Exemplos paradigmáticos são: a tarifa base de 30% sobre a China — ainda em fase negocial durante um período de 90 dias — com o propósito de enfraquecer a indústria tecnológica chinesa e reforçar a posição negocial dos EUA na disputa sobre Taiwan e o Mar do Sul da China; a ameaça de aumento das tarifas sobre a União Europeia, de 10% para 30%, caso esta não reforçasse as suas despesas com a defesa (que deu lugar ao acordo celebrado com a Comissão Europeia em 27 de julho, prevendo uma tarifa base de 15% sobre os bens da UE e 0% sobre as exportações norte-americanas, entre outros elementos); a ameaça de 25% sobre a Colômbia, caso o país não aceitasse as deportações de imigrantes em território norte-americano (o que foi prontamente aceite); e a ameaça de 50% sobre o Brasil, caso não fosse interrompida a perseguição político-judicial a Jair Bolsonaro. A estes somam-se dois casos de tarifas secundárias: no caso da Venezuela, uma tarifa de 25% sobre os países que importem petróleo venezuelano, como forma de pressão sobre o regime de Maduro; e a ameaça de aumento de 100% sobre os países que mantenham comércio com a Rússia, caso Moscovo não ponha fim à guerra na Ucrânia.

Esta mudança de paradigma é particularmente significativa se atentarmos no papel tradicional dos EUA como principal defensor do liberalismo comercial global desde o final da Segunda Guerra Mundial. O seu instrumento primordial — o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), de 1947, que esteve na génese da Organização Mundial do Comércio (OMC) — visava precisamente a criação de um sistema multilateral de regras destinado a prevenir guerras comerciais e a evitar o ressurgimento do nacionalismo económico destrutivo que marcara o período entre guerras, caracterizado pelo protecionismo. A espiral tarifária dessa época contribuiu para uma queda de cerca de 65% no comércio mundial entre 1929 e 1933, transformando o comércio internacional num instrumento de rivalidade geopolítica, em nítido contraste com a lógica de interdependência pacífica característica do liberalismo económico pós-1945.

2 No âmbito estritamente económico, o aumento das tarifas alfandegárias visa, tradicionalmente, proteger a indústria nacional e reduzir o deficit comercial. Ao encarecer os bens importados, desencoraja-se o seu consumo e cria-se uma vantagem comparativa para os produtores nacionais de bens semelhantes ou de substituição, que não estão sujeitos às mesmas taxas. Este mecanismo favorece a substituição de importações por produção interna, promovendo a criação de indústrias nacionais, reduzindo o desemprego e dinamizando a atividade económica, com efeitos positivos sobre o Produto Interno Bruto (PIB).

À primeira vista, o processo parece simples e linear.

2.1. No entanto, o quadro complica-se porque o aumento das tarifas encarece os bens importados, levando os consumidores a recorrer a produtos nacionais de substituição, que nem sempre são mais baratos ou disponíveis em quantidade suficiente. Este desvio da procura pode provocar uma subida generalizada dos preços internos, não como resultado direto de uma expansão da política monetária, ou seja, não por existir mais dinheiro em circulação, mas sim devido à pressão sobre uma oferta nacional menos eficiente ou limitada. Embora tal fenómeno não implique, por si só, um aumento da massa monetária, pode alimentar a perceção, por parte do banco central, de um risco inflacionista, levando-o a adotar medidas preventivas de carácter restritivo, como o aumento das taxas de juro.

No caso dos Estados Unidos, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, sinalizou desde 2022 uma trajetória de subida das taxas de juro para conter o pico inflacionista alimentado pelas políticas de Quantitative Easing (QE) iniciadas em 2020, no contexto da crise pandémica do COVID-19. Esta orientação deu início ao ciclo mais rápido de subida de juros desde a década de 1980, com a taxa diretora a aumentar de 0,25% em 2020 para 5,5% em 2023, encontrando-se atualmente estabilizada em torno dos 4,5%.

Nesta conjuntura de juros elevados, reduz-se o incentivo ao recurso ao crédito para financiar a criação de novas unidades produtivas, comprometendo assim a concretização de um dos principais objetivos económicos das tarifas: fomentar a industrialização e reduzir o desemprego através do investimento produtivo.

É neste contexto que se inscreve a tensão entre Donald Trump e Jerome Powell, frequentemente descrita como uma “guerra” aberta entre a Casa Branca e a Reserva Federal. A frustração com a limitação dos efeitos económicos das tarifas — nomeadamente no que respeita à reindustrialização da economia norte-americana — atribuída à morosidade da resposta da política monetária, em particular à resistência em proceder à desejada redução das taxas de juro, alimentou rumores persistentes sobre uma eventual substituição de Powell antes do termo do seu mandato, previsto para maio de 2026 — uma medida sem precedentes na história das administrações norte-americanas, cujas implicações institucionais e económicas seriam profundas e........

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