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O descontentamento como lógica

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O descontentamento atravessa a condição humana. Se fosse o contrário, não teríamos decidido pelo bipedalismo, pela visão frontal e pelo desenvolvimento de um certo tipo de consciência – uma espécie de software que vem sem manual de instrução. Por condições variadas – desde a inadequação à natureza, passando pelas escolhas e pela aleatoriedade da adaptação natural, a insatisfação diante do sofrimento ou da oportunidade de sossego nos garantiu a constituição como seres humanos.

Não é possível pensar um sujeito plenamente contente, unificado e realizado por completo. A falta é aquilo que nos constitui. Por ela buscamos, com ela lutamos, e dela vivemos. Sossego mesmo, satisfação completa, só quando estivermos comendo capim pela raiz – se é que me entende... Enquanto houver vida, haverá busca; e enquanto houver busca, haverá uma trajetória movida por aquilo que nos falta.

A grande questão é: quando foi que o descontentamento deixou de ser uma coisinha íntima e filosófica – daquelas que você resolve numa caminhada ouvindo Caetano – para virar um modelo de negócio? A falta, antes poética, virou defeito de fabricação. Agora ela precisa ser corrigida, expurgada, tratada como se fosse uma verruga na alma. Surgiu então o descontentamento fake, o kit de infelicidade premium, capaz de nos afastar da vida original, daquela que se vive entre tropeços, vinho com os amigos e domingos de tédio.

Marx entendeu isso muito bem quando propôs a ideia de “fetiche da mercadoria”. Para ele, os objetos têm um valor de uso — tipo uma cadeira serve pra........

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