Carta aberta ao próximo Ministro da Saúde
Senhor Ministro, Excelência
Aceite os meus cumprimentos e a minha admiração por ter acedido a ser ministro de Portugal. O meu apreço é inteiramente isento e desinteressado porque, confesso, eu não aceitaria qualquer convite para ser ministro – faltar-me-iam na primeira oportunidade a paciência e a elasticidade negocial que vão pôr à prova a sanidade de V. Ex.a, a sua resistência física, a sinceridade dos amigos e a harmonia conjugal.
Os desafios que vai enfrentar serão ciclópicos. Mas, permita-me, não valerá a pena solicitar que lhe seja revogado esse compromisso, que assumirá com lealdade e honra, e que outra pasta qualquer lhe seja atribuída. Nenhuma lhe exigirá menos trabalho porque em todos os sectores da vida pública cresceu a mais frondosa miséria e destruição – e lá estarão, à espera que V. Ex.a lhes consagre quatro anos da sua vida, eventualmente menos se o ministério cair, empurrado ou por uma intrínseca falta de equilíbrio. Poderia em outra pasta ter mais algum descanso é certo, se tivesse V. Ex.a a seu cuidado as pescas ou a agricultura, porque quase não existem e porque as pessoas que bravamente ainda se dedicam a essas tradições são poucos e não frequentam o Fox Trot ou o Pabe. A saúde interessa a todos e quase 20 milhões de olhos estarão postos sobre o seu desempenho. Não serão exactamente 20 milhões porque há um grande número de portugueses que padecem de cataratas por operar e glaucomas não medicados – situações que os grandes atrasos para cirurgia e consultas de Oftalmologia têm impedido de tratar. Mas serão ainda muitos milhões os que estarão atentos ao desempenho de V. Ex.a e não lhe permitirão descanso. Tenho a mais absoluta certeza que nunca seria esse o plano de V. Ex.a mas, ao contrário do que poderia ambicionar se fosse Ministro da Juventude, a sua inactividade seria muito notada no Ministério da Saúde.
É notório o estado de caos e desagregação em que se encontra a saúde e o Sistema Nacional de Saúde. É natural que assim seja, infelizmente é natural e era de esperar, por razões que eu tive a ousadia de explanar em artigos anteriores e que V. Ex.a teve a sensatez de não ler – porque eram longos e não acrescentariam nada à sua esclarecida visão do problema.
A sua Colega, a actual e esforçada Ministra, não conseguiu resolver nenhum grande problema da saúde. Há alturas em que cai um bocadinho do tecto do Hospital de S. José, outros em que a urgência Amadora-Sintra é obrigada a encerrar por constrangimentos informáticos, o INEM tem paragens cíclicas de telefones, pessoas e helicópteros. A sua Colega já enfrentou ameaças de greve dos médicos por dificuldades de estacionamento, e já partiu um braço. Há dias teve conhecimento de que, no hospital que já dirigira, pululavam médicos que tratavam problemas superficiais com intervenções profundas – não sobre a pele dos doentes, felizmente, mas sobre o orçamento do Hospital de Santa Maria. Amanhã, não duvide V. Ex.a, a Senhora será assediada por um abaixo-assinado de gordas reclamando Ozempic gratuito nos 2 meses que antecedem a época balnear – e será confrontado com opiniões abalizadas de médicos e da indústria farmacêutica assegurando que esse tipo de remédios, que agora estão a aparecer em fila indiana, podem fazer bem a outras coisas. Todo o mandato da senhora tem sido apoquentado por problemas dessa natureza, sucessivos problemas de gestão corrente requerendo intervenções que os médicos conhecem como intervenções life-saving. Todos reconhecemos, e V. Ex.a reconhecerá sendo médico, o tipo de desafio que é manter um doente em multifalência a respirar e com pulso,........
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