As boas presunções e as más estatísticas
1. Recentemente, duas surpresas estremeceram o país político. Pedro Nuno Santos foi acusado de ter mudado de opinião sobre imigração – e isso tornou-se mais relevante nos media do que a sua mudança de opinião sobre imigração – e Mariana Mortágua confessou ter errado num assunto de trabalhadoras despedidas, uma ou cinco trabalhadoras dispensadas do Bloco de Esquerda como se fossem operárias de uma fábrica de coisas em segunda mão sob administração capitalista.
Sobre Mariana Mortágua não vale a pena tecer qualquer consideração. É isso que ela espera, o silêncio. Que as suas operações de gestão empresarial – menos rendimento obrigam a contenção de custos – passem despercebidas, ou que passem como decisões para salvaguarda do direito de um trabalhador a procurar um novo emprego, mais honesto e mais estável. E como o seu partido, e todos os partidos comunistas, vivem desde há muito beneficiando da tolerância das democracias, não há motivo para lhe ser negado mais um gesto de benevolência.
A mudança de opinião de Pedro Nuno Santos tem outro peso. Tanto, que inúmeras figuras do Partido Socialista consideram ser um peso suficiente para o levar ao fundo. Na verdade, PNS tem sido uma desilusão para a ala esquerda do PS, não porque não seja suficientemente de esquerda, mas porque não se tem mostrado competente na faceta endrominativa do socialismo avançado, e porque afinal não tem carisma, e porque fala como se estivesse a ensaiar à parte o seu papel na peça do poder socialista.
O que levou Pedro Nuno Santos a essa mudança de opinião. Disse PNS: “A única forma de nós recuperarmos a confiança dos portugueses é os portugueses perceberem que nós somos capazes não só de reconhecer o que fizemos bem, de defender o que fizemos bem, mas também de reconhecer aquilo que não correu tão bem”. PNS teve a percepção de que o Partido Socialista estava perder a confiança das pessoas. Ao contrário do que tem sido muitas vezes defendido pelo PS – um respaldo estatístico para as opiniões e a desvalorização das percepções – o seu Secretário Geral teve uma percepção e agiu de acordo com ela. Só isso valeria entrevistas indignadas de todos aqueles que há muito esperavam poder indignar-se com PNS. Mas há outras razões e, sem surpresa, voltou a ser invocada pelos seus detractores a falta de estatísticas. Todos eles se relacionam com o que aconteceu ou aspiram relacionar-se com o que vai acontecer.
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Eduardo Cabrita, que foi ministro da Administração Interna e muitos consideravam um proto-defunto político, reapareceu na sua forma habitual – de que não pode ser culpado, porque não tem outra. Defendeu-se das suas responsabilidades e louvou o acolhimento socialista a todos os migrantes, sem escrutínio. Expendeu uma teoria que liga o governo actual à extrema direita e ao problema da imigração. Relembrou que a imigração não levanta problemas de segurança e deixou sugerida a tese de que a extinta manifestação de interesses era magnífica. Através dela e indefinidamente, seria garantido que meio milhão de imigrantes aguardassem pacificamente uma casa oferecida pelo governo socialista onde pontificava, no pelouro, a excelente Marina Gonçalves.
Ana Catarina Mendes manifestou grande perplexidade e preocupação com as declarações de PNS. Sobre a perplexidade não existe motivo de admiração, já que ACM por diversas vezes se mostrou perplexa e fez valer essa perplexidade criativa ao longo de 10 legislaturas. A sua preocupação merece respeito porque é uma coisa íntima e, não se podendo obrigar ninguém a louvar a sua inteligência, deve-se ao menos lembrar o respeito devido aos seus sentimentos. ACM tem “duas discordâncias nas declarações de Pedro Nuno Santos”. Cita-se a última “… não sei o que é isto dos valores nacionais, de Portugal”. Felizmente, para ela e para Portugal, ACM está assentada na Europa. É verdade que os “valores nacionais” e os valores da Europa se sobrepõem em larga medida, mas a deputada saberá conter as suas perplexidades.
José Luís Carneiro é um homem tranquilo, muito diferente de Ana Catarina Mendes. Foi bastante mais produtivo como político e é menos dado a........© Observador
