A perversão da Medicina Preventiva
Medicina Preventiva: “…acções (…) com vista a impedir que (a doença) surja ou tenha um curso desfavorável”
Perversão: “acção que faz com que o bem se torne mal”
No início era simples.
Ao longo da história da Humanidade, a nossa relação com a saúde, a doença e a Medicina era linear e semelhante: quando estávamos bem, estávamos bem, quando ficávamos doentes, procurávamos os médicos e a Medicina (ou alguma das outras intervenções que nos resolvessem o problema).
Até que chegou o século XX. A meio deste século, surgiu o conceito de Medicina Preventiva. E tudo mudou. E a Medicina deixou de ser apenas para quando estamos doentes.
É verdade que este conceito faz todo o sentido. Será muito melhor fazer algo antes da doença se manifestar ou existir. É lógico que é mais difícil tratar e curar uma doença já estabelecida e que será mais fácil agir antes disso. O problema é que nem sempre o que é lógico é verdadeiro.
Há muitos exemplos da eficácia da Medicina Preventiva. É muito mais fácil, barato e eficaz tomar um comprimido todos os dias para baixar uma pressão arterial elevada, em vez de aguardar por um enfarte cardíaco ou acidente vascular cerebral, cujas consequências são, em grande parte, irreversíveis. É melhor vacinar e evitar o sarampo, a difteria, a tosse convulsa, o tétano ou a hepatite B, com vacinas de eficácia muito elevada e duradoura e com efeitos secundários muito reduzidos, do que tentar gerir essas doenças e as suas consequências, muitas vezes irreversíveis, por vezes fatais.
Há incontáveis situações destas, em que uma acção simples, fácil, barata e pouco incómoda permite evitar um problema de saúde complexo, difícil, caro e causador de sofrimento ou morte. A Medicina Preventiva aplicada nesses exemplos é virtuosa.
Mas há também práticas, provenientes dos conceitos da Medicina Preventiva, quando levada ao exagero, que não são nada virtuosas mas antes viciosas e perversas. E, ao longo do tempo, a Medicina Preventiva foi crescendo e inchando, dominando cada vez mais áreas da existência humana. Actualmente, para além da prevenção primária (evitar que surja a doença), secundária (intervir na doença, antes dos sintomas surgirem) e terciária (tratar e reabilitar quem já tem a doença e os seus sintomas), a Medicina Preventiva inclui também a prevenção primordial (intervir antes do nascimento e no primeiro ano de vida, para evitar sequer que surjam factores de risco para doenças futuras) e a prevenção quaternária (procura evitar o mal que os cuidados de saúde desnecessários ou em excesso —........
© Observador
