Provedora de Justiça arrasa lei sobre sexualidade
No dia 01.03.2024 entrou em vigor a Lei nº 15/2024, de 29.01, que veio proibir as por si “denominadas práticas de «conversão sexual» contra pessoas LGBT , criminalizando os atos dirigidos à alteração, limitação ou repressão da orientação sexual, da identidade ou expressão de género, alterando a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e o Código Penal”.
De acordo com o novo tipo legal de crime denominado “Atos contrários à orientação sexual, identidade ou expressão de género”, aditado ao Código Penal pela referida lei e incluído no elenco dos «Crimes contra a autodeterminação sexual”:
“Quem submeter [ou, inclusive, tentar submeter] outra pessoa a atos que visem a alteração ou repressão da sua orientação sexual, identidade ou expressão de género, incluindo a realização ou promoção de procedimentos médico-cirúrgicos, práticas com recursos farmacológicos, psicoterapêuticos ou outros de caráter psicológico ou comportamental, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal!” (nº 1 do art. 176º-C do Código Penal); podendo a pena ir até 5 anos se ocorrerem modificações irreversíveis ao nível do corpo e das características sexuais da pessoa (nº 3 do art. 176º-C do Código Penal).
Sem prejuízo de manter a ilicitude dos actos em causa, o nº 2 do novo art. 176º-C veio determinar que “(…) não são puníveis os procedimentos aplicados no contexto da autodeterminação da identidade e expressão de género, conforme estabelecido nos artigos 3.º e 5.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e que forem levados a cabo de acordo com as leges artis”.
Deste modo, o legislador, ao mesmo tempo que veio criminalizar as referidas condutas, despenaliza-as, i.e., isentas de punição, se as mesmas ocorrerem no contexto da “autodeterminação da identidade e expressão de género”, ou seja, precisamente no contexto onde ocorrem as verdadeiras e próprias práticas e terapias de “conversão sexual”, errada mas propositadamente denominadas de terapias de “afirmação de género”.
Assim, por exemplo, se alguém praticar, ou sequer tentar praticar, um acto destinado a ajudar uma pessoa a alinhar a sua mente com o seu corpo, o mesmo quer dizer, a alinhar a sua identidade psicológica com a sua identidade sexual, física e corpórea, chama-se a isso terapia ou prática de “conversão sexual”. Mas se esse acto se destinar a ajudar uma pessoa a “mudar” o seu corpo para o alinhar e conformar com a sua mente, chama-se a isso “terapia de afirmação de género”. Um verdadeiro contra-senso e um paradoxo …!
Equiparando este novo crime aos hediondos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, a Lei nº 15/2024 veio ainda alterar os artigos 177º e 69º-B e 69º-C do Código Penal, que prevêem, respectivamente, (i) um agravamento das penas se este novo crime for cometido em determinadas circunstâncias, nomeadamente se o crime for levado a cabo por mais do que uma pessoa, se a vítima for menor de 16 anos ou de 14 anos; e (ii) a possível condenação na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, na proibição de assumir a confiança de menor e na inibição do exercício de responsabilidades parentais, em todos os casos por um período que pode ir até 20 anos
No artigo intitulado “A proibição e criminalização das denominadas terapias de “conversão sexual”” (aqui publicado), tive oportunidade de me pronunciar criticamente sobre a referida lei, chamando a atenção para a amplitude, imprecisão e indefinição do novo tipo de crime e para as múltiplas deficiências, incongruências e inconstitucionalidades desta lei, mormente por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade penais, dos direitos e liberdades fundamentais, como sejam, o direito e a liberdade de educação a cargo dos pais, a liberdade de expressão, a liberdade do exercício de profissão, a liberdade de consciência e de religião e a liberdade de aprender e de ensinar.
Refira-se que esta lei foi aprovada à pressa no final da legislatura passada (com os votos contra dos deputados do PSD e do Chega), sem ser precedida de qualquer debate público (como a importância da matéria o impunha) e foi inexplicável e surpreendentemente (de um dia para o outro) promulgada pelo Presidente da República, ainda por cima sem um único reparo ou observação, como se a matéria não fosse relevante, ou então,........
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