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Portugal de bengala: o país onde velhos cuidam de velhos…

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18.11.2025

Há um tipo de espelho que a sociedade raramente olha de frente. Portugal tornou-se num desses; um país onde velhos cuidam de velhos, uma espécie de roda geriátrica, em que a bengala passa de mão em mão, como o bastão de uma corrida que já ninguém tem pressa de terminar. Aqui, o envelhecimento não é um dado demográfico; é quase um desporto nacional, com medalhas para paciência e provas diárias de resistência física e emocional. Este espelho com múltiplas facetas – sociais, familiares, económicas, institucionais, mostra que, por trás de estatísticas e protocolos, existe uma geografia de afetos, fadigas e rotinas onde a mulher quase sempre ocupa o papel de atriz principal.

Este cenário é no mínimo perturbador. O envelhecimento populacional e, por conseguinte, o incremento das doenças crónicas ampliam o número de pessoas dependentes no autocuidado e, consequentemente, o número dos cuidadores, muitos deles também idosos. O cuidado deixa de ser um ato isolado e transforma-se numa trama de relações intergeracionais que, por vezes funcionam como rede e, não menos vezes, como um “nó apertado”.

Há de facto uma ironia silenciosa nestes arranjos: os cuidadores envelhecidos convivem com limitações físicas próprias, enquanto se esforçam por suprir as necessidades alheias. É como pedir a um sapateiro com artrite para consertar sapatos – sabe o ofício, sabe o gesto, mas o corpo já não acompanha a cadência. Este saber prático mistura-se com um capital simbólico: reconhecimento social reduzido, visibilidade académica quase nula e uma rotina raramente chamada de “trabalho”. E quando se fala de invisibilidade é impossível não enfatizar o género.

Eu sou mulher e Enfermeira! Convido todos a imaginarem o seguinte cenário: uma senhora de setenta e oito anos a........

© Observador