O Tabu do Assédio Moral Ascendente
O tema do assédio moral no trabalho raramente é abordado numa perspectiva da chefia como vítima. Existe – pelo menos em Portugal – uma tendência cultural muito enraizada para partir do princípio de que a hierarquia protege de forma automática contra comportamentos abusivos, quando a realidade é muito mais complexa e a dinâmica.
O assédio moral ascendente representa uma das formas mais insidiosas de violência psicológica no local de trabalho, precisamente porque desafia as definições tradicionais sobre poder e vulnerabilidade. Contrariamente ao que é percepção geral, ser chefe de alguém não implica imunidade contra comportamentos destrutivos por parte de subordinados. Pelo contrário: a circunstância pode até amplificar a vulnerabilidade, uma vez que o alvo se encontra numa posição onde é socialmente esperado que “tenha de lidar” com todas as situações, mantendo a compostura e a autoridade e o desempenho e liderança da equipa intactos.
Esta expectativa social cria uma prisão psicológica particularmente cruel. O líder que sofre assédio ascendente encontra-se numa posição onde admitir o sofrimento pode ser interpretado pela sua própria chefia e pela liderança organizacional como incompetência profissional e/ou como fragilidade emocional. A pressão para manter a aparência de controlo pode levar a um isolamento progressivo, onde a vítima interioriza a culpa, se enreda na teia de influências e calúnias geradas pelo bully. Este fenómeno é agravado pela escassez de recursos de apoio organizacionais internos especificamente direccionados para líderes em situação de ataque e vulneráveis a bullying ascendente.
A pressão organizacional sobre as chefias para manterem a compostura e resolverem conflitos “profissionalmente” pode criar um ambiente onde o sofrimento é sistematicamente desvalorizado. Esta expectativa irrealista ignora que os líderes são, antes de mais, seres humanos que não abdicaram do direito fundamental à dignidade humana e à saúde psicológica. O custo desta menorização é duplo: não somente perpetua o sofrimento individual, como impede a organização de oportunidades para identificar anomalias destes tipo e corrigir dinâmicas disfuncionais que perturbam ou reduzem a eficácia das equipas.
Um dos aspectos mais perniciosos desta situação é a forma como expõe as limitações reais do poder hierárquico nas organizações modernas. Em tese, um líder de equipa tem autoridade para dirigir, orientar e, em última instância, sancionar comportamentos inadequados. Na prática, esta autoridade pode ser sistematicamente minada através de sabotagens subtis, desautorizações públicas ou secretas (designadamente manipulando pares e chefias laterais), boicotes deliberados e sistemáticos (nem sempre visíveis) e manipulações emocionais junto de colegas e parceiros noutros departamentos que precisamente por serem difíceis de documentar (quase sempre feitos em “conversas de corredor” ou telefonemas sussurrados) são devastadoras no seu efeito cumulativo porque criam a sensação de cerco e de que “todos” participam na conspiração.
O subordinado que pratica bullying ascendente frequentemente demonstra uma compreensão sofisticada das vulnerabilidades do sistema hierárquico que resulta de uma aprendizagem de anos (especialmente nas organizações e hierarquias que não souberam identificar........
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