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Não há justiça sem escuta

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03.09.2025

Quando um país arde, não flagram só pinhais e telhados: queima-se a confiança. O episódio recente dos incêndios deixou a descoberto várias fragilidades, mas o maior dano causado foi a perceção pública de que, ano após ano, nada muda. Com a agravante que as lamúrias dos políticos exibiram uma distância emocional que se vai revelar fatal, já no imediato. Não é uma questão de “fotogenia da compaixão”, mas de “gramática de presença”: aparecer na hora certa, verbalizar com sinceridade a dor alheia, saber ser voz, sem artificialismos, dos que ficaram sem casa, sem terra, sem trabalho. Sem essa gramática, o que fica é a sensação de vazio moral. O que vimos, com dor, foi um país a gritar enquanto o poder político estabelecido, alienado, seguia a sua agenda festiva, desconsiderando os danos causados pela ausência de empatia.

Portugal está dividido, porque desde há muito que o sistema político vive fechado sobre si próprio, desconhecendo que não há justiça sem escuta. Grande parte dos portugueses vive hoje em “solidão ética”, num estado de abandono de quem foi ferido ou injustiçado e, depois, abandonado pelas instituições quando procuram reconhecimento. Não é apenas o “estar sozinho” ou ter sofrido os danos: é a impotência de se sentir só no plano moral, porque ninguém assume o dever de escutar e responder.

Como lembra António Damásio, a emoção não é ruído que atrapalha a razão: é um mecanismo de julgamento. Sem emoção, a decisão torna‑se mecânica, perde orientação humana;........

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