Olivença, um caso de procrastinação crónica
1. O território dos países é sempre fruto da sua história. O seu processo de formação depende das circunstâncias, particularmente dos atos de força em que as nações se envolvem, desde as guerras a outras formas de afirmação de supremacia militar ou económica. Claro que também há alianças, acordos e até heranças que podem definir o seu âmbito.
Portugal é um país privilegiado, tem os seus limites continentais definidos desde o século XIII, pelo Tratado de Alcanizes, celebrado por D. Dinis e D. Fernando IV de Castela. As suas fronteiras terrestres são das mais antigas do mundo (provavelmente as mais antigas, embora essa avaliação dependa do critério utilizado). Subsiste, no entanto, a situação de Olivença, de jure portuguesa, mas de facto sob administração espanhola desde o princípio do século XIX.
Em Portugal, não se duvida desse direito. Não há partido político, associação ou personalidade proeminente que o ponha em causa. Mesmo quem defende que Portugal deve admitir a posse espanhola de Olivença, não questiona que, do ponto de vista do direito, é território português. É o caso, por exemplo, de Rodrigo Tavares, professor da NOVA SBE, em artigo publicado no Expresso, em 6 de junho de 2024.
Perante tal unanimidade, é difícil compreender a passividade portuguesa em relação a este tema. Houve, no século XIX, algumas escassas tentativas de efetivar a devolução. Por outro lado, é certo que Portugal nunca aceitou a ocupação e manteve sempre a reivindicação formal do seu direito. A título de exemplo, nos relatórios anuais da CIA (Central Intelligence Agency), onde são refletidas as disputas internacionais subsistentes, constam sistemáticas referências a que Portugal não reconhece a soberania espanhola sobre Olivença. Mas, na verdade, nunca colocou o assunto como uma prioridade ou sequer uma preocupação relevante nas relações luso-espanholas. Após o 25 de abril, em 50 anos de democracia, não tenho memória de a questão ter sido suscitada num programa de Governo ou projeto eleitoral de qualquer partido político. Também nunca foi ponto de qualquer Cimeira Luso-Espanhola (nem sequer daqueles que constam na agenda, mas não chegam a ser abordados).
Ninguém duvida que o problema está por resolver, mas ninguém, com responsabilidades governativas, se atreve a falar dele de uma forma assertiva. Pinheiro de Azevedo indignou-se com a passividade portuguesa, mas foi depois de deixar de ser primeiro-ministro. Nuno Melo, ministro da Defesa em funções, afirmou recentemente a soberania portuguesa, numa cerimónia militar em Elvas – no Regimento de Cavalaria n.º 3, denominado Os Dragões de Olivença –, mas, perante a crítica generalizada a que foi submetido (não à substância do que dissera, mas à oportunidade e à forma utilizada), logo veio dizer que o afirmara a título pessoal (e não como membro do governo).
PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR
Há um consenso nacional sobre o tema, mas uma incapacidade absoluta de o encarar e de dar qualquer passo no sentido de o resolver. É uma fatalidade portuguesa. Adiamos, adiamos, adiamos. Somos especialistas em protelar as soluções, a “empurrar com a barriga”, a fingir que tudo está bem, quando não está. Olivença é paradigmático dessa maneira de estar, é um caso de procrastinação crónica.
Ruínas da velha Ponte da Ajuda, feita erguer pelo nosso rei D. Manuel I sobre o Rio Guadiana, ligando os concelhos de Elvas e de Olivença. Foi dinamitada em 1709 pelo exército castelhano, no quadro da Guerra da Sucessão espanhola, em que Portugal tomara partido. Este episódio antecedeu de cerca de um século a chamada “Guerra das Laranjas” de 1801.
2.Os dados históricos........© Observador
