O Padre António Vieira, historiador do futuro
Há quatrocentos e dezassete anos, nascia em Lisboa, na antiga rua dos Cónegos junto à Sé, o Padre António Vieira, figura ilustre da nossa história e da nossa cultura. Foi um homem simultaneamente patriota e construtor de globalização. Exprime-o bem a sua conhecida frase num dos sermões pregados em honra de S. António: “Para nascer, pouca terra: para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal: para morrer, o mundo” (II, X, p. 239).
A sua paixão nacionalista revela-se muito cedo, logo na Carta Ânua que escreveu em 1625, onde relata a resistência dos soldados portugueses – verdadeiros soldados de Cristo – aos ataques holandeses na Baía. Nesse escrito, o ainda jovem jesuíta exalta o ânimo dos “verdadeiros portugueses”, que combateram à maneira dos “portugueses antigos”, os egrégios avós. Depois, ainda na Baía e já em Lisboa, assimilou o modelo do pregador ao do profeta veterotestamentário e converteu-se numa espécie de “profeta dos portugueses”, prometendo vitórias, anunciando castigos, deliberando sobre medidas a tomar, agradecendo sucessos, dando um sentido transcendente aos acontecimentos comuns. Ele podia criticar publicamente os atos de mau governo, interpelar Deus em nome de uma nação, interpretar profecias anteriores e prognosticar futuros… enfim, empenhar a palavra sagrada junto de Deus e do soberano.
Não obstante, pouco tempo antes de partir para o Maranhão como superior das missões jesuítas naquela região, ele começou a ler avidamente – até mesmo livros proibidos – sobre um tema que nunca mais o largaria: o reino de Cristo. Esse tema, precisamente, convertê-lo-ia também em historiador do futuro. Primeiro, numas Esperanças de Portugal que parecem imitar as de um rabino de origem portuguesa da sinagoga de Amesterdão, Manassés ben Israel – Esperanças de Israel – e, depois, na elaboração de uma História do futuro, que abandonaria para escrever a sua obra magna, A chave dos profetas.
Nestes textos, que se........
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