Traços elementares do racionalismo cartesiano (parte II)
A inteleção da primeira crença indubitável (cogito) confere ao sistema cartesiano um critério de verdade. Sumariamente, o raciocínio de Descartes pode ser aduzido do seguinte modo: se a indubitabilidade do cogito se deve ao facto de a sua existência ser concebida de forma clara e distinta, então, presumivelmente, todas as coisas que podemos conceber clara e distintamente são verdadeiras. Tenhamos em consideração que o cogito representa uma verdade independente do espaço e do tempo, bem como de toda a materialidade do mundo.
Não obstante a imperfeição óbvia do cogito (não ético-axiologicamente, mas em sentido ontológico), este possui a ideia de perfeição. Se o conceito de imperfeição (não perfeição) tem uma conotação negativa, quer dizer que deriva de uma comparação com o conceito positivo que lhe corresponde — o conceito de perfeição. Ao investigar a causa desta ideia, Descartes analisa as realidades que transcendem a esfera mental, mas não encontra em nenhuma delas mais perfeição do que aquela que o cogito evidencia. Conjeturalmente, equaciona ainda a hipótese de a ideia de perfeição ter sido criada pelo cogito; todavia, não tarda a refutar esta conjetura, afirmando que algo imperfeito não pode originar a ideia de perfeição, na medida em que a causa não pode ser inferior ao efeito. Conclui, então, que a génese da ideia de........
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