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Teoria geral da falha e da fragilidade

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22.06.2025

O dicionário da Academia define deficiência como uma incapacidade, invalidez. Trata-se, portanto, de um termo que supõe a existência de um padrão, de uma norma – conceitos que, não o esqueçamos nunca, não passam de mera estatística. Todos percebemos que um cego, incapaz de guiar os seus passos por um sentido tão essencial quanto o da visão, se encontra em desvantagem relativamente a todos aqueles que conseguem ver, mas significará isso que é menos valioso (que é precisamente o que significa “in-válido” – privado de uma parte do seu valor)? Mais importante ainda, o que é ser normal, uma pessoa normal? Bem vistas as coisas, no final das contas, normal é não sabermos quem somos, é descobrirmos que estamos sempre em construção. O que nos define como seres humanos, em última análise, não é tanto o que somos, mas o processo pelo qual nos podemos transformar numa outra coisa.

É por isso que, nos contos infantis, as limitações físicas nem sempre significam algo de negativo. Em A Pequena Sereia, de Andersen, por exemplo, a perda da voz ou a dificuldade de locomoção da protagonista não nos parecem de todo um defeito, mas um sinal da excelência daquela criatura que, abandonando o seu reino no fundo do mar e movida pela força do amor, deseja transformar-se numa menina – alguém que tem de renunciar ao seu canto para poder falar, como se as palavras tivessem de surgir precisamente dessa renúncia à embriaguez do canto. É dessa permanente construção de nós próprios, característica da condição humana, que falam todos os contos, cuja missão não seria tanto dar conta de uma verdade única, mas antes tornar possível que cada um narre a sua verdade aos outros.

Vivemos hoje sob o........

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