Pequeno alfabeto do espanto
para a Sofia
cuja relha corre tão direita
Antigamente, a letra aleph era o focinho de um touro visto de frente: a cabeça e os chifres inclinaram-se para a direita na época em que se inventaram as linhas, quando a escrita, abandonando os flancos bojudos dos vasos, migrou para as superfícies planas dos sarcófagos e para as paredes dos templos. Este caractere alfa investe com a mais frontal e determinada violência. Após um milénio, o pictograma perdeu um pequeno pedaço do seu chifre esquerdo. E assim, a letra que as línguas escritas na Europa registam como primeira representa o ímpeto de uma besta selvagem.
O B – o beth, o beta – formado por cinco paredes, era o cercado ou paliçada onde se confinava a besta ígnea, violenta – alf em fenício, aleph em hebraico – aquela besta sempre indomável.
Em latim, chamava-se “tristis littera” ao C, a “letra triste”. Era até letal porque era a inicial do verbo Condemno, o equivalente àquele d que, nos sinais tipográficos, não é bem um d do símbolo deleatur (destrua-se): uma pequena garça, um pobre cacho que ainda hoje procura representar graficamente em latim a letra grega theta com que abre a palavra Thanatos, uma inicial horrível e infame que é a tatuagem da morte. Esta letra theta, outrora escrita à frente de um nome na lista do ostracismo, em Atenas, ou na lista da proscrição em Roma, exigia a eliminação imediata do indivíduo “assinalado”, onde quer que ele estivesse, sem qualquer risco de punição. É assim que o deleatur define o sinal que, colocado antes de um outro, o mata.
A lua da véspera não dera qualquer sinal daquela elevação da lagoa a que se dá o nome de acqua alta. Umas quantas mas belas estrelas acariciavam as........
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