Marés, metamorfoses e pontões
Ler é caminhar. Avança-se pela abundância de significados, pisa-se emaranhados de metáforas, progredindo por todos os tipos de terreno, do mais ressequido dos desertos aos pântanos mais lamacentos. E escorregamos no gelo, afundamo-nos em neve. Molhamo-nos, sujamo-nos de pó, de lama, enchemos de pedras os sapatos e, caso caminhemos descalços, o macio torna-se áspero, e ardente o fresco… Por vezes cortamo-nos. Mas a ferida não arde durante muito tempo.
Apoiado numa balaustrada de madeira do degradado pontão de Tomis, observando o voo lento das gaivotas e o mar inquieto que desfaz os olhos em espuma, Ovídio pensava que a tristeza é bem pior do que a nostalgia, porque enquanto esta mantém vivas as imagens amadas, a tristeza dilui-as em lágrimas.
Já não sentia nostalgia de Roma, dos seus palácios e bibliotecas, das suas termas e tabernas, mas sentia uma tristeza infinita provocada por um exílio que, para muitos, a começar por ele próprio, era incompreensível. Os seus movimentos, naqueles dias longos e lentos e numa terra distante do coração do império, eram simples: levantar-se não muito cedo, olhar pela janela da sua modesta casa-biblioteca, à qual se iam somando os livros dos amigos e fiéis que por ele intercediam sem sucesso e cujas ofertas chegavam em navios cujos nomes prometiam o que nunca chegava – Consolo, Esperança, Alegria – lavar-se e depois sair para caminhar, roendo uma ou outra peça de fruta ou mascando amêndoas;........
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