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Aristóteles, o movimento e uma carta de Kafka

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02.03.2025

Para Aristóteles e para todos os seus comentadores medievais, o movimento constituía a expressão imediata da natureza inata de um corpo, pelo que perceber as suas causas e efeitos significava compreender os fundamentos da própria realidade física: se o sentido de um movimento é determinado pela natureza do corpo – a natureza de um grave é cair, por exemplo – em que sentido caímos quando, quietos, amamos?

Numa das cartas que Franz Kafka envia a Milena, diz: «[…] estaremos juntos, cinco, seis horas talvez, quase nada para conversar, o suficiente para ficarmos em silêncio, para darmos as mãos, e nos olharmos nos olhos». Kafka prova assim a precariedade, e, ao mesmo tempo, a intensidade de um encontro. Diante de um instante em que tudo pode assumir uma dimensão quase infinita, o valor do tempo cronológico dilui-se. O tempo do amor é o da radical precariedade. Tudo começa num instante, tudo num instante se pode dissolver. No entretanto, os vários momentos em que os amantes estão juntos são momentos (in)finitos. O amor é precário. A amizade é precária. Até a paternidade é precária pois tanto a mãe como o pai cuidam de um corpo frágil, delicado, que a qualquer momento pode cair, adoecer e morrer.

Em A Condição Humana, Hannah Arendt falava sobre a fragilidade das ações. Segundo ela, ao contrário do trabalho e das operações, agir é uma atividade com consequências imprevisíveis e irreversíveis, por nunca podermos controlar os resultados, nunca sabermos o que pode acontecer quando agimos. Algo que se pode observar na acção educativa, frágil também ela, na medida em que, uma vez realizada, não mais é possível voltar atrás. O bem ou o mal já foi feito. Não é possível recomeçar. Como se pode agir quando nos apercebemos de que a nossa acção prejudicou gravemente o nosso filho, que lhe causámos mal? O dano é irreparável, não........

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