A arte de ser Sócrates
À hora em que escrevo estas linhas, já há um punhado de informações acerca do comportamento de Sócrates no julgamento da Operação Marquês. Diz quem o conhece que este behavior não causa estranheza. Estranheza também não causará o facto de o réu não se declarar culpado, o que nos convoca para a previsão, que em caso de condenação, também não aceitará o veredito. Sócrates para o próprio Sócrates, pelo menos nas vias pública e publicada, será sempre inocente e vítima de uma cabala com contornos semi-rocambolescos. A via para a Presidência da República estava aberta e o caminho, que se sempre faz caminhando, estaria dispensado: apenas uma suave e piedosa peregrinação e não um desafio com obstáculos e rivais – o ex-primeiro ministro preparava-se para ser um dia ex-presidente da República.
Se recuássemos dois mil e quatrocentos anos, ao ano de 339, veríamos um outro Sócrates enfrentar também um julgamento. A sua postura, contudo, estava nos antípodas do atual. A preocupação do ateniense era salvaguardar a verdade acima de tudo e de todos – se necessário fosse, até à sua própria custa. Comportando-se respeitosa e ordeiramente durante todo o processo........
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