"Bestiário", um conto de Cortázar
O realismo mágico é uma cedência à capacidade racional do ser humano. Pretende alargar o âmbito da realidade e confiar ao domínio intelectual as mais variadas idiossincrasias humanas, desde a mais restrita intimidade até à maior ambição. O seu inimigo não é o disparate ou a loucura desenfreada, antes o absurdo: o impossível manifesto. Assim, se um indivíduo vomita coelhinhos (Carta a uma Rapariga em Paris) não questiona o motivo ou se embaraça intelectualmente com o ocorrido. Além do lado pragmático da questão, não se levantam quaisquer ondas ou se enviam sondas ao cerne da realidade. O realismo mágico aceita o real tal como ele se apresenta, isto é, é na sua essência, um olhar inocente que recai sobre o mundo e a natureza. É um olhar humano e humanista sobre as coisas, acima de tudo.
Há uma assunção epistemológica nesta literatura que podemos rastrear a David Hume – existe uma bifurcação no conhecimento: por um lado existem as relações de ideias, por outro as questões de facto. Fazem parte das primeiras, expressões como “o triângulo tem três lados” ou “a menor distância entre dois pontos é uma reta” (na teoria euclidiana); pensar em qualquer negação a estes princípios é um absurdo e, como tal, uma impossibilidade lógica, física ou metafisica. Derivam das segundas, afirmações tais que “a relva é verde” ou a “a neve é........
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